segunda-feira, 31 de agosto de 2015


Hoje é dia do nutricionista, um dia que para mim é de celebrar, mas também de refletir; refletir sobre os rumos da Nutrição e, especialmente, sobre o meu próprio, sobre meu papel e minha atuação como nutricionista.
Tenho me dado conta de que vivemos na época da “terceirização” do cuidado: me parece que muitas pessoas não querem se cuidar, mas sim serem cuidadas; querem ser monitoradas, vigiadas e controladas.
Vejo e ouço algumas coisas que me geram conflito interno: academias-conceito, com mensalidades de cerca de R$ 1000,00, onde o diferencial é que o personal trainer fica “ligado 24 horas por dia no aluno por mensagem: controla a alimentação, os treinos e a frequência” (matéria da revista 29 Horas, agosto de 2015); pacientes meus que se desesperam quando peço para que escolham o que gostariam de comer de café da manhã, e praticamente me imploram: “Carol, me diz o que eu posso e não posso comer, me faz uma lista, juro que vou seguir!”; clínicas de dieta famosas, que englobam o indivíduo de tal forma que ele deve frequentá-la algumas vezes por semana: passar por consultas ali, praticar exercício ali, assistir palestras ali e, se possível, comer ali (algo que não tenha sido escolhido por ele mesmo, claro).
De certa forma, esse movimento pode ser compreensível: num mundo de informações conflitantes, especialmente no que diz respeito a comida/corpo/peso/atividade física, parece que as pessoas perderam sua autonomia e liberdade de escolha. Pois para isso é preciso reflexão crítica e autoconhecimento, e muita gente não quer ou “não tem tempo” para isso.
E é nesse ponto que meu trabalho se torna um pouco mais difícil, já que eu não passo dietas e proponho que o indivíduo entenda e mude sua relação com a comida nos níveis mais profundos. Entendendo não só o que, mas como e por que ele come, poderá fazer escolhas de fato mais conscientes e se responsabilizar por seu autocuidado. Muitos pacientes descordam da minha abordagem e saem frustrados da consulta. Defender um novo paradigma pode ser bastante cansativo.
Mas é também bastante recompensador. Recebo feedbacks maravilhosos de meus pacientes e de vários leitores aqui do blog, que tomam a iniciativa de criar espaço para as coisas que fazem sentido para si. Vejo com frequência esse tipo de trabalho mudar vidas. E não foi porque o indivíduo perdeu peso, acreditem...
Tenho orgulho e satisfação em ser nutricionista. Parabéns a mim mesma e a todos os colegas da área!

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Os tipos de restrição alimentar



Todos os nutricionistas que trabalham com transtornos alimentares – e também aqueles que usam a abordagem defendida pela NutriçãoComportamental – têm como fato a premissa de que dietas levam à compulsão alimentar, comer emocional e/ou comer na ausência de fome. Por “dieta” me refiro aqui a  qualquer tipo de restrição alimentar com a finalidade de perda de peso, que não siga os sinais internos do corpo como fome, apetite e saciedade para determinar o que e quanto comer. Dietas forçam o indivíduo a seguir regras externas para determinar sua escolha alimentar, que inevitavelmente levam à transgressão e à culpa em comer. Dietas não fazem bem e não são inofensivas: dietas fazem mal.

A restrição alimentar mais óbvia é a restrição quantitativa, ou seja, a pessoa diminui a quantidade de comida que come a fim de reduzir a ingestão calórica, o que teoricamente levaria ao emagrecimento. Porém, muitos pacientes que têm uma relação ruim com a comida me dizem em algum ponto do tratamento: “Carol, eu não estou mais fazendo restrição, estou comendo todas as refeições e em quantidades adequadas... Então por que ainda estou tendo compulsão?”

“Porque você está fazendo outros tipos de restrição”, é a minha resposta. 

O segundo tipo de restrição é a qualitativa, isto é, o indivíduo come em quantidades razoáveis mas nunca (ou quase nunca) se permite comer os alimentos que gosta, somente aqueles que considera “corretos”. Isso ainda faz parte da mentalidade de dieta, que dicotomiza os alimentos entre “permitidos” e “proibidos”. Se a pessoa ainda faz dieta, ela ainda tem compulsão.

O terceiro e último tipo, que por ser mais sutil pode correr o risco de passar batido, é o que eu chamo de restrição cognitiva. É quando a pessoa até come o delicioso brigadeiro que tanto queria... Mas com a sensação de que não deveria. A certeza de estar quebrando uma regra leva automaticamente à culpa e ao pensamento de “8 ou 80”: “já que comi um brigadeiro, já que já meti o pé na jaca, melhor comer logo 10...”

Daí a importância suprema da permissão incondicional em comer, defendida pelo modelo do Intuitive Eating, que está explicado em detalhes em nosso livro Nutrição Comportamental (pode ser comprado aqui). Claro, quando toco nesse assunto, os pacientes logo demonstram o medo de passar a comer somente comidas muito gostosas e calóricas caso se permitam; e, de fato, isso pode acontecer no início. Mas se o indivíduo resistir e não adotar a mentalidade de dieta novamente, essa fase passa. Experimente comer sua comida predileta todos os dias por um mês, e veja se ao final deste você ainda tem desejo de continuar comendo a delícia escolhida com a mesma frequência e intensidade...

E então, já se permitiu hoje?

terça-feira, 4 de agosto de 2015

A dança das emoções


Assistindo ao novo filme da Pixar “Divertidamente” (“Inside out”), lembrei-me de um antigo dizer que coloca que o contrário de amor não é o ódio, e sim a indiferença. A indiferença pode ser muito mais destrutiva que este último, e acredito que assim seja com nossas emoções. Ignorar aquilo que sentimos, não entrando em contato com as emoções por mais dolorosas que sejam, destrói nossa habilidade de nos conhecermos, de aprendermos algo valioso sobre nós mesmos e de crescermos e florescermos como pessoas plenas e felizes. As emoções são verdadeiras bússolas, guiando nosso entendimento do mundo e nossas atitudes. Ou seja, existe espaço dentro de nós para todas as emoções. Nada é proibido ou vergonhoso de ser sentido. Inclusive, a crença de que devemos ser felizes a todo momento é um dos motivos que nos leva a sermos mais infelizes! Até porque, se não sentíssemos emoções “negativas” (como tristeza), como saberíamos o que é alegria e contentamento?

Entendo que algumas pessoas (vejo isso em vários pacientes) têm uma grande dificuldade em sentir e interpretar suas emoções, reagindo automaticamente a elas e adotando muitas vezes um padrão destrutivo de comportamento, como se engajar com frequência em comer emocional e compulsão alimentar. Cabe ao nutricionista que quer trabalhar essas questões perceber e apontar aos pacientes a maneira como seus sentimentos estão interferindo em sua relação com a comida; e cabe ao psicólogo, valioso parceiro nesse processo, trabalhar essas emoções com os pacientes e ajudá-los a criar um espaço dentro de si mesmos para que essas emoções possam circular e reverberar; e, talvez, quem sabe, dançar.

   

Para saber mais:

http://www.mindful.org/five-things-pixars-inside-out-teaches-us-about-emotions/?utm_source=Mindful+Newsletter&utm_campaign=3092bd9fa4-MF_Weekly_Newsletter_August_48_4_2015&utm_medium=email&utm_term=0_6d03e8c02c-3092bd9fa4-21277385