terça-feira, 29 de setembro de 2015

A pipoca e os scripts alimentares

Tradução: "Quanta pipoca de cinema você consegue comer? Toda ela."

Esse final de semana fui ao cinema e, na fila para comprar pipoca, ouvi a conversa do casal atrás de mim:
(ela) Vamos pedir dois combos médios ou grandes?
(ele) Ah, melhor pedir o grande, por mais um real você ganha mais pipoca e refrigerante, vale a pena...
(ela) Bom, então peça você, pois não tenho coragem de pedir para a moça o combo com bebida de 1L!
Essa conversa verídica apresenta algo muito discutido pelo pesquisador Brian Wansink em seus livros Mindless eating e Slim by design, que é o conceito de scripts alimentares: gatilhos inconscientes que nos fazem comer mais quando expostos a situações em que eles se encontram presentes. Um dos scripts acima está relacionado à noção preconcebida de que, se vou ao cinema, preciso comer pipoca. É como se fosse algo inerente, inseparável; e o outro é a ideia de que, se posso pagar só um pouco a mais para receber algo proporcionalmente maior, deve valer a pena... Não?
Sinto que um dos problemas atuais é que temos tomado muitas decisões automáticas e inconscientes como estas, baseadas em roteiros mentais que nem sequer fazem sentido quando confrontados com a realidade. Por exemplo:
  • Se eu almocei há pouco tempo, será que tenho fome ou mesmo vontade real para pedir pipoca no cinema?
  • Preciso pedir o pacote grande quando provavelmente a pequena já dará conta de me distrair até o início do filme?
  • Vale a pena mesmo pagar um real a mais por algo que de fato não me é necessário?
  • Se já me soa “estranho” (no caso da moça do diálogo) pedir um refrigerante de 1L, será que isso não é uma aviso cognitivo de que talvez seja muito?
Ao não prestarmos mais atenção em nosso processo de decisão alimentar, acabamos comendo mais, às vezes sem nem mesmo querer ou perceber.
Claro que não podemos controlar todas as nossas decisões alimentares, muitas delas são de fato automáticas e influenciadas por uma série de fatores! Mas talvez possamos tentar estar mais presentes ao momento em que formos comer, nos conectando aos sinais de fome, saciedade e apetite, para fazermos escolhas de fato mais conscientes.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Se sentir bem para mudar ou mudar para se sentir bem?



Essa semana atendi pela primeira vez um jovem com transtorno alimentar que, ao me contar sua história, disse que um dos fatores precipitantes para o início da doença foi o comentário de sua professora, após ele sofrer bullying dos colegas devido a seu peso: “Sabe, fulaninho, talvez você possa conversar com seus pais, tentar emagrecer um pouco, pois na verdade ninguém gosta mesmo de pessoas gordas... Vai ser pro seu bem.”

Ainda não consigo entender a lógica perversa – e extremamente arraigada em nossa sociedade – de fazer alguém se sentir mal, acreditando que isso vai então “motivá-lo” a mudar. Segundo teorias da Entrevista Motivacional, motivação vem do quanto o indivíduo percebe a mudança como importante para sua vida e do quanto ele se sente confiante em poder executá-la. Difícil imaginar que uma pessoa se sinta confiante ouvindo todos os dias a mensagem de que é inadequada... Talvez precisemos primeiro nos respeitar e nos sentir melhor sendo quem nós somos hoje, independentemente do nosso peso, para então poder mudar comportamentos. E não mudar (que para muita gente é sinônimo de “emagrecer”) para só então nos gostarmos... Esse caminho parece não fazer tanto sentido quando abraçamos a ideia de que somos dignos de respeito e acolhimento simplesmente por existirmos.

Outra coisa que me incomoda: já ouvi um colega profissional da saúde dizendo que “o problema do gordo é que ele não se enxerga. Se ele de fato soubesse o quão gordo ele é, se esforçaria mais para emagrecer”. Quer o obeso se perceba ou não como tal, emagrecer não é algo que simplesmente dependa do esforço e desejo individuais, e sim um processo complexo que envolve uma série de fatores que, em sua maioria, não podem ser controlados pelo indivíduo. Ser gordo não é uma escolha para a maioria das pessoas, embora possa ser para algumas, especialmente para aquelas que se tornam ativistas pelo respeito do indivíduo não importando seu tamanho. E na realidade, grande parte dos obesos sabe sim que está gordo, vivendo em meio à gordofobia e ao estigma da obesidade seria quase impossível não se dar conta. Alguns, de fato, podem subestimar um pouco seu tamanho corporal, o que está relacionado com aspectos de processamento neural da imagem corporal (veja aqui) e também com a dificuldade de se assumir gordo numa sociedade que despreza quem se encaixa nessa categoria. Ou seja, algumas pessoas entram em negação em relação ao seu peso porque, se de fato se assumissem/percebessem como gordas, suas vidas poderiam se tornar bem mais difíceis e hostis.

Proponho refletirmos sobre a ideia de que precisamos mudar para só então nos sentirmos bem conosco. Você merece se sentir bem hoje, pelo simples fato de ser humano e, portanto, falível. Quem sabe, então, ao se sentir mais digno e merecedor, não consegue mudar aquilo que tanto te incomoda? Como diz o ditado: somos perfeitos em nossa imperfeição.