quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Emagrecer: um meio para um fim

Estou bastante impressionada com o número de pessoas com peso “normal” (IMC entre 18,5 e 24,99kg/m²) e sem comprometimentos de saúde que têm vindo buscar minha ajuda para emagrecer. Pessoas que, em teoria, não precisam perder peso, nem por saúde e nem por estética, mas que ainda assim o desejam. E toda vez que eu pergunto “mas por que deseja emagrecer?”, a resposta é quase sempre a mesma: “para me sentir melhor”.

Muitos dos nossos desejos e compromissos têm por objetivo nos trazer mais propósito e intenção em nossas vidas, ou seja, têm como finalidade nos aproximar dos nossos valores mais íntimos. Estou lendo um livro muito inspirador que fala sobre isso, chamado “The vow-powered life”. 


A autora nos coloca que sempre devemos testar nossos objetivos perguntando “por que”, pois muitas vezes aquilo que consideramos como o objetivo final é simplesmente um meio para um fim. Exemplo prático que ela dá: ela tem como meta escrever pelo menos quatro horas por dia.

Por quê? Porque ela tem um deadline a cumprir.
Por quê? Porque ter deadlines a ajuda a entregar o livro pronto no período estabelecido.
Por que ela quer entregar o livro? Porque ela deseja escrever mais dois livros depois do atual.
Por que ela deseja escrever mais livros? Porque ela gostaria de ajudar as pessoas em sua jornada espiritual (ela escreve livros sobre meditação e qualidade de vida).
Por que ela quer ajudar as pessoas nesse caminho? Porque ela acredita que essa é a melhor maneira de reduzir o sofrimento desnecessário que nós mesmos criamos em nossas vidas.

Aha. Chegamos ao ponto em que o “por que” não se aplica mais. Podemos dizer que reduzir o sofrimento humano é um dos valores verdadeiros que orientam sua vida. O “escrever quatro horas por dia” é apenas um meio para um fim. Se ela tiver um derrame e não conseguir mais escrever, por exemplo, ainda assim ela poderá de alguma forma ajudar as pessoas em seu caminho espiritual.

Onde quero chegar com isso?

Tenho a sensação que, nos dias de hoje, com tanta gente querendo emagrecer, a perda de peso se tornou um meio para um fim. Se tentarmos aplicar o método citado pela autora:

Quero chegar aos 60kg (tenho 65kg)
Por quê? Para me sentir melhor.
Por que quero me sentir melhor? Para poder sentir mais autoconfiança.
Por que quero me sentir mais confiante? Para poder me expor mais, sair mais, sem me sentir inadequada.
Por que quero sair mais, me expor mais? Para talvez encontrar um relacionamento significativo.
Por que desejo encontrar um relacionamento significativo? Porque quero construir uma conexão profunda e duradoura com outro ser humano.

Sentir-se amado e em conexão com outra pessoa é um desejo válido e compartilhado por todos os seres humanos. Chegamos então ao ponto de que o que a pessoa realmente quer, no fundo, não é exatamente emagrecer, mas sim ter a possibilidade de encontrar esse relacionamento significativo. Então, mesmo que a pessoa não emagreça, de que maneira ela pode criar oportunidades e se abrir para que o que ela de fato deseja possa acontecer?

Vamos refletir sobre isso?

domingo, 29 de janeiro de 2017

O propósito da autocrítica


Estou participando de um treinamento online de dez semanas do programa Mindful Self-Compassion, cujo objetivo é ajudar-nos a entender melhor o que é autocompaixão e a cultivar essa habilidade de nos voltarmos à nossa própria dor de forma gentil e compreensiva.

Esses momentos semanais de aprendizado e prática que o curso me proporciona têm sido profundamente prazerosos e reflexivos. O post de hoje é justamente uma dessas reflexões, sobre autocrítica e mudança de comportamentos.

Nosso cérebro é programado para defender nossa sobrevivência e garantir nossa felicidade. Justamente porque sobreviver vem em primeiro lugar, temos o que os cientistas chamam de “viés negativo”, da qual nossa autocrítica faz parte. O viés negativo é a tendência de percebermos e nos focarmos com maior intensidade nos eventos negativos ao longo de nossa vida. Como diz o pesquisador Rick Hanson, autor do livro O cérebro de Buda, “o cérebro é como velcro para experiências negativas e como teflon para experiências positivas”. Essa é uma habilidade que foi evolutivamente muito importante. Afinal, se na época das cavernas nós estivéssemos mais atentos às belas flores da floresta do que ao leão escondido atrás delas, não teríamos sobrevivido! 

O fato é que hoje as ameaças reais são menos frequentes que antigamente, mas parece que nossa autocrítica e nosso julgamento estão mais ativos do que nunca. E isso nos faz mal.

Durante muito tempo – ao longo da minha adolescência, principalmente – fui uma pessoa muito autocrítica, e isso me favoreceu em certos aspectos: sentia que estava “no controle”, sempre inspecionando todos os aspectos da minha vida em busca de algo que pudesse dar errado. Era uma voz que me alavancava em diversas conquistas pessoais, mas que custava caro: sentia-me sem paz, tensa, e isenta de um senso de espontaneidade. Além disso, ao longo dos anos, minha autocrítica enfraqueceu minha motivação para mudança e minha confiança de experimentar coisas novas, de me aventurar em novos terrenos. Afinal, quem tem coragem para mudar quando se sente julgado e diminuído?

Por isso acredito que autocrítica e “terrorismo nutricional” são grandes inimigos do processo de mudança de comportamento alimentar a médio e longo prazo. Com atenção plena (mindfulness) e autocompaixão, você se sente capaz de tornar-se a melhor versão de si mesmo, enquanto ao mesmo tempo consegue fazer as pazes com suas imperfeições e limitações.

Não precisa confiar no meu relato, pense em sua própria experiência com mudanças que tentou fazer. Quando funcionou melhor e você conseguiu manter a mudança por mais tempo: quando se tratou mau, quando a autocrítica estava mais ativa, ou quando se tratou com gentileza e compreensão? (e para você que ainda está em dúvida: sugiro que leia o livro Beyond addicition: how science and kindnesshelp people change e que busque as pesquisas mais recentes sobre mudança de comportamento e autocompaixão).

Boa semana a todos!

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Felicidade hoje



Lendo o livro “Waking Up: A Guide to Spirituality Without Religion”, do Sam Harris (em português, o título é “Despertar: um guia para a espiritualidade sem religião”), me chamou a atenção uma passagem em que ele coloca o seguinte: todos os nossos objetivos e metas têm por trás a promessa de que, se forem alcançados, finalmente teremos a oportunidade de relaxar e viver nossa vida no presente. Ou seja, só então teremos as condições ideais para nos tornarmos mais felizes. Como o autor mesmo coloca, estamos buscando razões e meios no futuro para tornarmos o agora mais tolerável.

Essa realidade é comum no caso de pessoas que estão descontentes com seus corpos e buscam de forma constante formas de transformá-los: por meio de exercício e/ou dieta. Não estou dizendo que há algo de errado nisso, mas quando enxergamos que não seremos plenamente felizes a não ser que essa transformação corporal aconteça, talvez esteja na hora de repensar. 

Muitas vezes, a promessa do emagrecimento traz mais alegria do que o emagrecimento de fato. Tenho pacientes que emagreceram bastante e que acabaram constatando que nada de concreto havia mudado em suas vidas: o emprego era o mesmo, ele ainda estava solteiro e os pais continuavam chatos.

E se pudéssemos encontrar razões no agora para sermos felizes? E se essas razões contemplassem até mesmo a “imperfeição” do nosso corpo? E se percebêssemos que a verdadeira promessa de felicidade está na nossa transformação interior, e não exterior?

Boa semana a todos!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Culpa



Dezembro. Grandes festas se aproximam. E com elas, as preocupações usuais com a comida – ou o excesso dela. É o momento em que muitas pessoas questionam como comer sem culpa.
Antes de mais nada, acho importante explorar a origem dessa culpa. Há 30 anos, era incomum escutarmos relatos frequentes sobre pessoas que sentiam culpa ao comer. Meus avós, por exemplo, não sabiam o que era isso. Afinal, eles não seguiam regras rígidas a respeito de como se alimentar, e a comida não tinha nenhum significado moral para eles. Se nenhum alimento é proibido, não há porque sentir culpa. Se encaramos toda refeição como uma oportunidade única de se nutrir e sentir prazer, não há espaço para remorso. Ele não pertence a esse conjunto. Ou seja, ao construirmos uma relação mais saudável e pacífica com a comida, a culpa ao comer certamente perde o sentido e deixa de fazer parte da nossa vida. E isto é muito libertador!

Porém, como alguns de vocês talvez ainda estejam nessa árdua jornada de autoconhecimento e de fazer as pazes com a comida, suponho que comer com culpa ainda seja uma realidade. Então, como lidar com essa emoção, especialmente nas celebrações de final de ano?

1. Enquanto estiver comendo, diga à culpa: “agora não!”. Comemos aquilo que gostamos para sentir prazer mas, ironicamente, muitas vezes nem o sentimos, já que a culpa ao comer aparece logo nas primeiras mordidas. Se esse for o caso, enquanto estiver comendo tente focar nos aspectos sensoriais do alimento: sua aparência, seu aroma, seu sabor. Quando a cabeça se engajar em pensamentos de arrependimento e remorso, respire fundo e metalize “agora não”. Volte então a prestar atenção no momento presente, ou seja, naquilo que está comendo. Tente sentir o prazer que inicialmente você foi buscar.
 
2. Ao terminar de comer, aceite seus sentimentos ao invés de lutar contra eles. Suponha que, ao terminar a ceia de Natal, você se sinta chateado por ter comido dois pratos de sobremesa. Provavelmente, você passará o resto da noite brigando internamente consigo mesmo por ter comido a mais. Isso só o deixará ainda mais chateado. Que tal aceitar suas emoções sem julgamento? Você tem o direito de sentir-se chateado. Como essa chateação se manifesta no seu corpo e na sua mente? Pensamentos de crítica e derrota vêm à tona? Use sua compaixão e trate-se de forma gentil neste momento. Pense o que você pode fazer de melhor por si mesmo a fim de aliviar seu sofrimento momentâneo. Lembre-se que amanhã é outro dia, e que você poderá dar outro passo para melhorar sua relação com a comida.

Espero que essas reflexões os ajudem. Boas festas a todos e até ano que vem!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Corpo: assunto privado

Meu corpo pertence a mim!
 
Assistindo ao documentário “The Illusionists”, não pude deixar de me chocar com o fato de que nosso corpo se tornou objeto de crítica/comentário/comparação alheia. O corpo está sob o foco dos holofotes. Quando criei esse blog, em 2010, escolhi o título de propósito. Afinal, seu corpo é seu, não é de mais ninguém. Portanto, não deveria estar sujeito às análises e opiniões de mais ninguém a não ser você.

É muito comum ver pacientes com e sem transtornos alimentares sofrendo com comentários negativos a respeito de seus corpos, por parte de amigos, parceiros, familiares. E, muitas vezes, feitos com “boa intenção”. Como o pai que diz para a filha que ela está comendo muito e que deveria moderar, pois já está gorda. Ou o marido que coloca na geladeira fotos de quando a esposa era magra, para “estimulá-la” a pensar duas vezes antes de comer.

Agora eu questiono: mesmo com a melhor das intenções em mente, você gostaria que alguém próximo te sujeitasse a essas situações? Como você se sentiria? Eu me sentiria exposta e vulnerável, e isso porque eu não tenho distorção ou uma séria insatisfação com minha imagem corporal...

As festas de final de ano são ocasiões muito propícias para esse tipo de assunto surgir. Procure se abster dos comentários e conversas que exponham seu corpo ou o corpo alheio. Viu alguém comendo muito? Não comente. A tia fulana engordou? Não comente. O primo ciclano está magro e musculoso? Não comente. A roupa da beltrana está inadequada pois, na sua opinião, as pernas delas são grandes demais? Não comente.

Respeitemos a privacidade do corpo de cada um.

Boa semana a todos!

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A experiência da saciedade



“Como você sabe que está saciado?”
Essa é uma das perguntas cruciais que faço a meus pacientes quando começamos a trabalhar a reconexão com o corpo e uma maior consciência alimentar. Afinal, fome e saciedade são dois gatilhos importantes e poderosos que interferem diretamente no nosso comportamento com  a comida. A autora Evelyn Tribole, do livro Intuitive Eating, diz inclusive que esses sinais compõem nossa “sabedoria interna”, isto é, por meio desses e outros sinais corpóreos somos capazes de controlar quando devemos comer e quando já podemos parar.
Um momento favorável para interrompermos nossa refeição é quando estamos moderadamente saciados, isto é, quando já não temos mais fome porém ainda estamos confortáveis. É aquele ponto em que ainda cabe mais comida no estômago, se quisermos, mas nosso organismo já sente a presença dela e portanto podemos parar. Descrever é um tanto quanto complexo, mas conforme vamos nos atentando e experimentando essas sensações, elas ficam mais nítidas e claras.
Para atingirmos e percebermos esse estado de saciedade moderada, são necessários, na minha concepção, três fatores:
1. Quantidade adequada de comida. Esse fator é o mais óbvio: para ficarmos saciados, precisamos de uma quantidade de comida compatível com a fome que nos fez comer, ou pelo menos uma quantidade de comida que faça com que a parede do nosso estômago se distenda (a distensão estomacal transmite um sinal ao cérebro de que já estamos alimentados). Além disso, quanto mais macronutrientes presentes na comida – carboidratos, lipídios, proteínas –, mais saciados ficamos, já que esses nutrientes favorecem a liberação de hormônios sacietógenos.
2. Atenção ao comer. Diversos estudos mostram que a falta de atenção ao comer faz com que comamos mais, especialmente por não percebermos os sinais sutis da  saciedade. O livro Mindless eating, do autor Brian Wansink, traz várias evidências a esse respeito. Experimente comer sem distratores – celular, tablet, televisão, computador, dentre outros – para ver o que muda.
3. Prazer. Quando comemos aquilo que de fato queremos e nos permitimos sentir prazer – e não culpa –, a tendência é comermos menos. Afinal, a experiência de saciedade não é somente física. Uma outra palavra usada para definir saciedade é satisfação, mostrando a importância do prazer para que a nossa experiência seja a mais plena possível. Quando comemos aquilo que gostamos, não ficamos buscando compensar a falta de satisfação do paladar com uma quantidade maior de comida.
Você percebe a influência desses três fatores? De que maneiras você pode contribuir para que sua experiência de saciedade seja a mais plena possível?
Boa semana a todos!

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Estar presente para si mesmo

Estudando e lendo sobre autocompaixão, tenho me maravilhado cada vez mais com seu efeito transformador sobre nossas vidas. Autocompaixão é a habilidade de estar sensível ao seu próprio sofrimento e comprometer-se a agir da melhor maneira possível para tentar aliviá-lo. Parece simples e até mesmo óbvio, não?

O que acontece, porém, é que em muitas circunstâncias somos capazes de potencializar nosso próprio sofrimento. Quando algo ruim acontece ou ao sentirmos que falhamos, ao invés de reconhecermos nossa vulnerabilidade – afinal, errar é humano! – e nos tratarmos com gentileza, nos criticamos e nos julgamos, aumentando ainda mais a sensação de impotência e inadequação. Em última instância, não encaramos o nosso sofrimento com a atenção e o cuidado que ele merece. Resultado? Muitas pessoas, frente a uma situação emocionalmente desafiadora, acabam comendo como forma de aliviar ou de não precisar entrar em contato com o que está acontecendo.

Existe um ditado budista que diz: cuide da sua dor como se estivesse cuidando de um amigo que está machucado. Essa fala é muito sábia, pois de fato não é possível aliviar sofrimento por meio da autocrítica e do autojulgamento! Então, da próxima vez que sentir que errou, tente estar presente para si mesmo. Acolha sua dor, sua culpa, e tente não se julgar ou se criticar demasiadamente nesse momento tão delicado. Se abrace e esteja consigo mesmo. Pergunte-se o que de melhor você pode fazer para se aliviar e se cuidar. Explore maneiras alternativas à comida para obter aquilo que de fato você precisa.