terça-feira, 21 de outubro de 2014

Mais notícias sobre estigma da obesidade


Como já foi falado em outros textos do blog (veja aqui), o estigma da obesidade é a discriminação ou estereotipação de pessoas devido ao fato de serem obesas. Um estudo americano publicado este ano no International Journal of Eating Disorders (veja aqui) avaliou episódios dez programas populares de televisão assistidos por adolescentes e encontrou dados alarmantes:

  • Em 50% dos episódios analisados, houve pelo menos uma situação em que algum personagem foi discriminado devido ao seu peso;
  • Em 41% das situações em que ocorreu estigmatização devido ao peso houve risadas da plateia;
  • 41% dos alvos de estigmatização tinham peso considerado normal
Ou seja, mais um indício de que o estigma do peso e do corpo – em especial da obesidade – está amplamente presente em nossa sociedade.

E qual o problema disso? Bem, além de causar sofrimento e contribuir para o surgimento de transtornos alimentares, o estigma da obesidade está associado ao aumento no peso corporal, ao aumento na circunferência de cintura e a uma chance seis vezes maior de se tornar obeso com o passar do tempo, segundo estudo publicado na revista Obesity (veja aqui). Ou seja, o foco na perda de peso e na ideia de que pessoas obesas têm algo “errado” que deve ser “consertado”, ao invés de contribuir com o emagrecimento, o prejudica.

Até quando vamos tolerar a propagar a estigmatização da obesidade? Até quando vamos focar nossos esforços e tratamentos clínicos no emagrecimento e não na mudança de comportamentos para que os indivíduos tenham uma vida verdadeiramente saudável e feliz, independentemente da perda de peso?

Boa semana a todos!

sábado, 11 de outubro de 2014

A vida agridoce



Recentemente estava discutindo com uma paciente obesa um conto do Irvin Yalom, psiquiatra e psicoterapeuta americano que gosto muito. No texto em questão, “A mulher gorda” (está no livro “O carrasco do amor”), o terapeuta conta a ocasião em que atendeu uma paciente obesa que acreditava que uma série de coisas davam errado em sua vida graças à sua gordura. Conforme ela vai emagrecendo, porém, percebe que o buraco é bem mais embaixo...

Gosto de indicar esse texto para alguns pacientes pois mostra o processo do emagrecimento, que por vezes é bem doloroso e expõe questões profundas da vida do indivíduo (que estavam ocultas pela gordura e pela idealização da perda de peso). Entretanto, sempre alerto os pacientes que no início do texto o autor demonstra seu preconceito contra obesos:

“Sempre me senti repelido por mulheres gordas. Eu as acho repulsivas: o absurdo andar bamboleante, a ausência de contornos corporais – seios, colo, nádegas, ombros, maxilar, ossos do rosto –, tudo, tudo aquilo que gosto de ver numa mulher oculto por uma avalanche de carne. Como elas ousam impor seus corpos a todos nós?”

Após lermos juntas esse texto, minha paciente começou a chorar e verbalizou o seguinte: “Sabe, Carol... Eu concordo com ele. Por isso não aguento mais viver no meu próprio corpo.”

Na minha prática, percebo que os próprios pacientes obesos podem ser extremamente preconceituosos e rígidos consigo mesmo. Muitos têm medo de abandonar a “gordofobia” e aceitar um pouco mais seus corpos, pelo receio de que isso signifique, então, abandonar o desejo de ser magro.

Pegando emprestado o título de um famoso livro, digo a esses pacientes que a vida tem “80 tons de cinza”, isto é, a vida não se resume ao preto e branco. A dicotomia, ou seja, o pensamento “8 ou 80”, provavelmente contribuiu com seu ganho de peso e uma relação complicada com a comida. Não é porque me considero feminista, por exemplo, que não sei apreciar quando um homem abre a porta do carro pra mim ou paga um jantar. Feminismo não exclui gentileza. (Aliás, para quem quiser ler um ótimo livro sobre o feminismo moderno, indico “Como ser mulher”, da britânica Caitlin Moran; veja aqui)

Aceitação corporal não significa necessariamente amar 100% do seu corpo e se ver livre do desejo por mudanças. Significa respeitá-lo um pouco mais para que mudanças duradouras possam acontecer. Significa ter compaixão e aceitar que somos seres imperfeitos. E que tudo bem ser assim.

Você não precisa desistir do seu desejo de emagrecer se assim o desejar. Só não coloque sua vida em stand by até que isso aconteça.

Bom final de semana a todos!