domingo, 30 de novembro de 2014

Apenas um corpo...


Dia desses numa roda de amigos, ouço um papo trivial:

“Nossa, quanto tempo! Como você está?”
“Ótima, e você?”
“Também!”
“Esses dias lembrei mesmo de você, vi aquele seu amigo, o Fulano...”
“Qual Fulano? Aquele ‘saradão’?”

Essa conversa me fez pensar por alguns instantes. Provavelmente, esta última pessoa conhecia dois Fulanos, e na tentativa de identificar sobre qual deles estava se falando, ela fez uma referência explícita ao seu corpo. E não se referiu, por exemplo, à cor dos olhos ou à altura de Fulano, que são características naturais e imutáveis; não se referiu também a seus gostos pessoais ou seus traços de personalidade (“qual Fulano, aquele advogado?” ou “qual Fulano, aquele engraçado/mal humorado?”).

Foi aí que eu percebi que talvez Fulano tenha se tornado um molde. Fulano agora será lembrado por aquilo que ele aparenta ser: apenas um corpo.

Não quero aqui moralizar quem valoriza o cuidado estético do corpo; afinal, como o próprio título do blog diz, o corpo é de cada um, cada um tem sua verdade sobre o que é melhor e mais desejado para si próprio. Mas eu particularmente não gostaria de ser lembrada como “a Carol, aquela gorda/magra/sarada/peituda/sem peitos”. Isso me afastaria da essência de quem eu de fato sou, dos meus valores e, mais importante, daquilo que é mais importante em minha vida.

Amo e respeito meu corpo, ele é minha morada sagrada, é ele que me permite transitar pela minha existência. Mas acredito que amar e cuidar do corpo seja diferente de transformá-lo em um “altar de idolatria”.

Espero um dia, então, ser lembrada como “a Carol, aquela moça que valoriza a família/que gosta de comer boa comida/que faz aulas de dança/que gosta bastante de ler”.

Que é feliz.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Diário de gratidão corporal


Este mês finalizo um curso de três meses sobre meditação e saúde. Aprendemos sobre os princípios e o contexto da meditação budista e sua aplicação (de forma adaptada, claro) na área da saúde, por meio do método da atenção plena (mindfulness, como já retratei aqui no blog em outros posts; basta buscar no canto direito da página!). Confesso que foi um curso transformador tanto em nível pessoal quanto profissional, pois consigo utilizar muitos dos ensinamentos e princípios com meus pacientes em suas jornadas por uma alimentação mais atenta, consciente e saudável. 

Um dos aspectos mais enfatizados pela filosofia budista e, consequentemente, pelos estudiosos da atenção plena, é o papel da gratidão e da compaixão (capacidade de ser mais compreensivo e gentil) para uma vida mais feliz e saudável. Existe inclusive um centro de estudos na Universidade de Berkeley, na Califórnia, que promove pesquisas  nas área de psicologia, neurociência e sociologia do bem-estar. Uma das matérias escritas por esse grupo reforça os benefícios à saúde em se manter um “diário de gratidão”, isto é, um registro periódico (eles sugerem que seja semanal) de coisas pelas quais somos gratos em nossas vidas. Pode ser desde algo simples - como ter acordado pela manhã -
como algo mais surpreendente/inusitado - ter recebido um elogio de um superior rigoroso no trabalho. 

Os benefícios de tal registro, que incluem melhor qualidade de sono, menos sintomas de doenças e maior sensação de felicidade são compreensíveis: ao tomarmos consciência das coisas pelas quais podemos agradecer, aumentamos nossa conexão com o mundo e com os outros e conseguimos enxergar além de nós mesmos e dos sofrimentos cotidianos que por vezes exacerbamos.

Alguns estudos já falam sobre a relação entre gratidão corporal e uma melhor satisfação corporal. Uma pesquisa que usou meditações que treinavam gratidão e autocompaixão verificou redução na insatisfação corporal das participantes, bem como uma menor importância da aparência no julgamento de seu valor pessoal. Outro estudo demonstrou que trabalhar a gratidão reduziu os escores de insatisfação corporal em estudantes após serem expostas a imagens de modelos magras.

Quando as pessoas me questionam como de fato podemos melhorar nossa relação com o corpo e nos sentirmos mais satisfeitos com o modo como ele existe hoje (mesmo que no fundo ainda  queiramos ser mais magros/fortes/etc), respondo que o primeiro passo é a intenção, ou seja, o desejo real de querermos enxergar e vivenciar o corpo de um modo diferente. Então, se você está sofrendo com sua imagem corporal, que tal se dedicar à criação de um diário de gratidão corporal

1. Separe um caderno bem bonito para essa finalidade. Se tiver dons artísticos, crie uma capa diferente, faça uma pintura ou uma colagem de fotos que te tragam recordações e sensações positivas.

2. Comprometa-se a escrever com uma certa periodicidade, que pode ser por exemplo uma vez por semana.

3. Agradeça pelas funções muitas vezes sutis de seu corpo, ao invés de inicialmente focar em partes específicas. Ex: "sou grata pelo trabalho do meu estômago em digerir minha comida, pois sem ele eu não teria como absorver nutrientes e sobreviver".

4. Tente se recordar de experiências positivas que só foram possíveis graças ao corpo (“sou grata por meu corpo ter conseguido dançar a festa inteira no final de semana”). Para isso, pode ser mais fácil fazer o caminho inverso: tentar se lembrar de situações limitantes que você vivenciou porque algo no corpo talvez não "funcionasse" bem.

5. Esforce-se para de fato sentir a sensação de gratidão em seu corpo conforme escreve. Após escrever uma frase, feche os olhos e perceba os sentimentos que vêm à tona.

Para finalizar, vejam aqui um curto exercício de meditação para trabalhar a gratidão corporal.



Boa semana a todos!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Dia Mundial do Diabetes: repensando o convívio com a doença


O Dia Mundial do Diabetes, comemorado em 14 de novembro, é uma data de sensibilização quanto à prevenção da doença, seu diagnóstico precoce e o controle das variações da glicemia (que é o açúcar do sangue). Tal controle depende intimamente de um estilo de vida saudável, que envolve a prática de atividade física, uma alimentação equilibrada e também o controle do estresse.

Em relação à alimentação, a boa notícia é que as diretrizes mais atuais, como a da American Diabetes Association, não são prescritivas e enfatizam a individualização do plano terapêutico nutricional. Ou seja, elas colocam que não existem “alimentos proibidos” ou comidas específicas que a pessoa com diabetes não possa comer, mas ressaltam que a mudança de comportamentos é sim necessária para um bom controle e convívio com a doença.

Agora em outubro, no workshop do movimento Nutrição Comportamental - do qual faço parte como membro do Genta -, pude falar sobre estratégias para auxiliar na mudança de comportamentos alimentares de indivíduos com diabetes (aliás, haverá um capítulo só sobre o tema no livro da Nutrição Comportamental, que será lançado ano que vem!). E uma dessas estratégias é a prática do mindfulness termo que pode ser traduzido como “atenção plena” (e que também estará no livro!).

A atenção plena é a capacidade de intencionalmente trazer atenção ao momento presente, sem julgamentos ou críticas, com uma atitude de abertura e curiosidade. A prática da atenção plena, que se dá por meio de exercícios meditativos, nos faz responder de forma menos automática a determinados estímulos, inclusive alimentares. Já escrevi nesse blog sobre um estudo que avaliou os benefícios do comer com atenção plena (mindful eating) para o controle metabólico de pacientes com diabetes tipo 2, e outros estudos publicados recentemente (vejam aqui e aqui) já mostraram que a atenção plena promove benefícios na qualidade de vida, na redução do estresse e consequentemente no controle glicêmico de pacientes com diabetes.

Se você conhece alguém com diabetes ou mesmo convive com a doença, não se contente com regras alimentares genéricas sobre o que deve ou não comer. Sua alimentação pode ser pensada de forma global, levando em conta seu estilo de vida, suas preferências e o autoconhecimento de seu corpo e seus sinais internos. Pense nisso.

Aproveito para deixar como dica um outro texto sobre essa data comemorativa, que escrevi em 2011 aqui no blog.
  
Boa semana a todos!

sábado, 1 de novembro de 2014

“Gente gorda não tem noção mesmo”


São Paulo, uma manhã dessas. Calor de 29oC já às 9h da manhã. Sentada no metrô, vejo uma moça obesa entrando, bem bonita inclusive. A senhora ao meu lado comenta: “gorda desse jeito e ainda usando essa calça colada!”. Finjo que não era comigo e seguimos viagem.

A fala acima não é incomum. Aposto que você já ouviu algumas variações dela, e principalmente dirigida a mulheres:

“Nossa, gente gorda não tem noção mesmo!” (comentário proferido ao ver uma mulher gorda usando minissaia, por exemplo)

“As pessoas têm que entender que certas coisas simplesmente não caem bem em determinados tipo de corpo.”

Antes de mais nada, gostaria de deixar claro que as frases acima são extremamente preconceituosas e só reforçam o estigma da obesidade, tema já tratado anteriormente aqui nesse blog. Uma evidência clara do teor preconceituoso desses comentários é que muito provavelmente eles não seriam dirigidos a pessoas magras que estivessem usando uma calça colada, uma minissaia, uma blusa mais curta...

Em relação ao primeiro exemplo, sobre “falta de noção” dos obesos, a afirmativa pode muitas vezes ser verdadeira. Explico: diversos estudos, como este e este mostram que pessoas com sobrepeso ou obesidade têm a tendência de subestimar seu peso e tamanho corporais, ou seja, muitos não se percebem como gordos. Alguns estudiosos da área sugerem uma explicação para tal fato: o estigma da obesidade é tão forte e tão presente em nossa sociedade que não enxergar o corpo como gordo pode trazer um certo “alívio” no convívio diário com si mesmo e os outros. Seria uma espécie de “mecanismo de defesa” contra o sofrimento que vem do estigma.

Alguns diriam: “Ah, mas se a pessoa não se enxerga gorda, como ela vai adotar comportamentos que tragam benefícios à saúde?”

Em primeiro lugar, precisamos entender que o peso/tamanho do nosso corpo não é o único motivador para que pessoas adotem comportamentos saudáveis. E não podemos determinar o estado de saúde de alguém com base em seu peso, isso seria novamente o estigma da obesidade em ação. Afinal, existem muitos magros que comem de forma não saudável e gordos que, por sua vez, o fazem.

Em segundo lugar, será mesmo que ter uma noção mais clara do tamanho do corpo – o que no caso de obesos implica provavelmente em sentir-se mais “inadequado” – influencia positivamente na saúde? Este estudo encontrou que a diferença entre o peso atual e o desejado parece ser um preditor mais forte de saúde física e mental do que o IMC. Ou seja, muitas vezes, o sentir-se inadequado em nossos corpos influencia mais no surgimento de consequências negativas à saúde do que o peso em si. Já esta pesquisa mostrou que pais que identificavam seus filhos como tendo sobrepeso ou obesidade não estavam mais propensos do que pais que não identificavam corretamente seus filhos a adotar determinados comportamentos de saúde, como ofertar mais frutas e legumes, reduzir a oferta de refrigerantes, promover mais refeições em família... E mais: os pais que caracterizavam seus filhos como gordos estavam mais propensos a encorajar a prática de dietas, o que por sua vez já se sabe que promove ganho de peso a longo prazo.

Finalmente, em relação à segunda frase, sobre pessoas que “não entendem que certas coisas não lhes caem bem”... Acredito que quem tem que decidir se a roupa cai bem ou não é a própria pessoa que a veste. Será que precisamos julgar até mesmo a escolha da indumentária alheia? Que tal exercitar o não julgamento?


Boa semana!