terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Lutando contra a obesidade ou contra o obeso?


 
Muitos que conhecem meu trabalho e/ou acompanham os posts aqui do blog sabem que eu tenho lutado – assim como outras colegas de profissão, diga-se de passagem – contra a visão do nutricionista como “emagrecedor”, pois é com essa expectativa que muitos pacientes vêm até nós ou são encaminhados por outros profissionais de saúde.

Já existem diversos trabalhos apontando a existência de obesos metabolicamente saudáveis, isto é, pessoas obesas que apresentam perfil metabólico adequado/saudável (veja aqui um estudo brasileiro revisando essa questão); já existem estudos que mostram que pessoas obesas apresentam menor mortalidade em casos específicos (por exemplo no diabetes tipo 2, como eu escrevi neste post); e há também pesquisadores que afirmam que uma perda de 5 a 10% do peso corporal – menos estética, porém mais fácil de ser alcançada e mantida – já é suficiente para reduções clinicamente significativas em marcadores de risco de doenças. Ainda assim, percebo um aumento cada vez maior e mais agressivo na tal “luta contra a obesidade”.

Quem trabalha na área e acompanha os achados científicos sabe que a obesidade é uma condição influenciada por diversos fatores – sedentarismo, ambiente atual que favorece um consumo maior de alimentos processados, genética, emoções e recursos de enfrentamento de situações estressantes, hormônios, bactérias intestinais, poluição... –, e nem todos passíveis de serem controlados em nível individual. Alguns pesquisadores apontam que indivíduos obesos, especialmente aqueles que já o são há algum tempo, possuem ainda adaptações biológicas que tornam a perda de peso bastante difícil: proliferação de preadipócitos, redução no gasto energético basal e aumento do craving por comida devido à prática de restrições calóricas (dietas!). Tratamentos medicamentosos e cirúrgicos parecem ter uma resposta mais rápida na perda de peso, mas não vêm sem efeitos colaterais adversos e muitas vezes não garantem que o peso perdido se sustente, já que as adaptações biológicas podem persistir mesmo quando o indivíduo atinge um IMC “saudável” (leia sobre isto no jornal científico The Lancet).

Não estou defendendo que todo obeso seja saudável, assim como não podemos afirmar que todos os magros o são; não proponho que sejamos lenientes quanto aos fatores ambientais que podem ser abordados para prevenir que mais pessoas se tornem obesas. Mas acredito que devemos ajudar o indivíduo a promover mudanças de comportamento que gerem saúde, independentemente da perda de peso. Acredito que devemos lutar não contra a obesidade, mas sim contra o estigma que a acompanha e que inclusive gera prejuízos à saúde psíquica de pessoas obesas. 


Charge que demonstra estigma da obesidade na área da saúde: "Doutor, fui empalado!" "Bem, talvez você se sinta melhor se perder peso."

Vamos refletir sobre isto?

Boa semana a todos!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Perda de peso e aumento de mortalidade no diabetes tipo 2

Já em 2013 eu escrevi um post no blog (veja aqui) sobre os resultados do ensaio clínico Look AHEAD, que teve como objetivo principal avaliar os efeitos de um programa intensivo de mudanças no estilo de vida na perda de peso de mais de 4.000 indivíduos com diabetes tipo 2 (DM2) que apresentavam excesso de peso. Em resumo, obteve-se que a perda de peso nos sujeitos estudados não promoveu uma redução na ocorrência de derrames, ataques cardíacos ou morte por eventos cardiovasculares – mesmo com a melhora nos parâmetros bioquímicos relacionados à ocorrência desses eventos. E agora em janeiro um estudo de coorte foi publicado (veja aqui)  trazendo resultados semelhantes e ainda mais interessantes.

Os pesquisadores acompanharam por 19 anos 761 pacientes adultos com sobrepeso e obesidade que apresentavam diagnóstico recente de DM2. O que se encontrou é que a perda de peso nesses indivíduos – mesmo naqueles com obesidade – foi um fator de risco independente para o aumento da mortalidade por todas as causas. Os autores sugerem um melhor prognóstico para aqueles que mantiveram o peso.

Você não leu errado: perder peso (intencionalmente ou não) pode ser um “tiro pela culatra” para pessoas adultas com diagnóstico de DM2. O estudo controlou diversas variáveis, o que torna esses achados verdadeiramente significantes.

Com base nesse estudo científico, proponho uma reflexão: vamos rever nossas condutas terapêuticas e nossa insistência em usar perda de peso como parâmetro de sucesso de tratamento com nossos pacientes? Vamos focar em mudanças de comportamentos que promovam saúde, mesmo que elas não resultem em perda de peso?
Boa semana a todos!