segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Culpa



Dezembro. Grandes festas se aproximam. E com elas, as preocupações usuais com a comida – ou o excesso dela. É o momento em que muitas pessoas questionam como comer sem culpa.
Antes de mais nada, acho importante explorar a origem dessa culpa. Há 30 anos, era incomum escutarmos relatos frequentes sobre pessoas que sentiam culpa ao comer. Meus avós, por exemplo, não sabiam o que era isso. Afinal, eles não seguiam regras rígidas a respeito de como se alimentar, e a comida não tinha nenhum significado moral para eles. Se nenhum alimento é proibido, não há porque sentir culpa. Se encaramos toda refeição como uma oportunidade única de se nutrir e sentir prazer, não há espaço para remorso. Ele não pertence a esse conjunto. Ou seja, ao construirmos uma relação mais saudável e pacífica com a comida, a culpa ao comer certamente perde o sentido e deixa de fazer parte da nossa vida. E isto é muito libertador!

Porém, como alguns de vocês talvez ainda estejam nessa árdua jornada de autoconhecimento e de fazer as pazes com a comida, suponho que comer com culpa ainda seja uma realidade. Então, como lidar com essa emoção, especialmente nas celebrações de final de ano?

1. Enquanto estiver comendo, diga à culpa: “agora não!”. Comemos aquilo que gostamos para sentir prazer mas, ironicamente, muitas vezes nem o sentimos, já que a culpa ao comer aparece logo nas primeiras mordidas. Se esse for o caso, enquanto estiver comendo tente focar nos aspectos sensoriais do alimento: sua aparência, seu aroma, seu sabor. Quando a cabeça se engajar em pensamentos de arrependimento e remorso, respire fundo e metalize “agora não”. Volte então a prestar atenção no momento presente, ou seja, naquilo que está comendo. Tente sentir o prazer que inicialmente você foi buscar.
 
2. Ao terminar de comer, aceite seus sentimentos ao invés de lutar contra eles. Suponha que, ao terminar a ceia de Natal, você se sinta chateado por ter comido dois pratos de sobremesa. Provavelmente, você passará o resto da noite brigando internamente consigo mesmo por ter comido a mais. Isso só o deixará ainda mais chateado. Que tal aceitar suas emoções sem julgamento? Você tem o direito de sentir-se chateado. Como essa chateação se manifesta no seu corpo e na sua mente? Pensamentos de crítica e derrota vêm à tona? Use sua compaixão e trate-se de forma gentil neste momento. Pense o que você pode fazer de melhor por si mesmo a fim de aliviar seu sofrimento momentâneo. Lembre-se que amanhã é outro dia, e que você poderá dar outro passo para melhorar sua relação com a comida.

Espero que essas reflexões os ajudem. Boas festas a todos e até ano que vem!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Corpo: assunto privado

Meu corpo pertence a mim!
 
Assistindo ao documentário “The Illusionists”, não pude deixar de me chocar com o fato de que nosso corpo se tornou objeto de crítica/comentário/comparação alheia. O corpo está sob o foco dos holofotes. Quando criei esse blog, em 2010, escolhi o título de propósito. Afinal, seu corpo é seu, não é de mais ninguém. Portanto, não deveria estar sujeito às análises e opiniões de mais ninguém a não ser você.

É muito comum ver pacientes com e sem transtornos alimentares sofrendo com comentários negativos a respeito de seus corpos, por parte de amigos, parceiros, familiares. E, muitas vezes, feitos com “boa intenção”. Como o pai que diz para a filha que ela está comendo muito e que deveria moderar, pois já está gorda. Ou o marido que coloca na geladeira fotos de quando a esposa era magra, para “estimulá-la” a pensar duas vezes antes de comer.

Agora eu questiono: mesmo com a melhor das intenções em mente, você gostaria que alguém próximo te sujeitasse a essas situações? Como você se sentiria? Eu me sentiria exposta e vulnerável, e isso porque eu não tenho distorção ou uma séria insatisfação com minha imagem corporal...

As festas de final de ano são ocasiões muito propícias para esse tipo de assunto surgir. Procure se abster dos comentários e conversas que exponham seu corpo ou o corpo alheio. Viu alguém comendo muito? Não comente. A tia fulana engordou? Não comente. O primo ciclano está magro e musculoso? Não comente. A roupa da beltrana está inadequada pois, na sua opinião, as pernas delas são grandes demais? Não comente.

Respeitemos a privacidade do corpo de cada um.

Boa semana a todos!

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A experiência da saciedade



“Como você sabe que está saciado?”
Essa é uma das perguntas cruciais que faço a meus pacientes quando começamos a trabalhar a reconexão com o corpo e uma maior consciência alimentar. Afinal, fome e saciedade são dois gatilhos importantes e poderosos que interferem diretamente no nosso comportamento com  a comida. A autora Evelyn Tribole, do livro Intuitive Eating, diz inclusive que esses sinais compõem nossa “sabedoria interna”, isto é, por meio desses e outros sinais corpóreos somos capazes de controlar quando devemos comer e quando já podemos parar.
Um momento favorável para interrompermos nossa refeição é quando estamos moderadamente saciados, isto é, quando já não temos mais fome porém ainda estamos confortáveis. É aquele ponto em que ainda cabe mais comida no estômago, se quisermos, mas nosso organismo já sente a presença dela e portanto podemos parar. Descrever é um tanto quanto complexo, mas conforme vamos nos atentando e experimentando essas sensações, elas ficam mais nítidas e claras.
Para atingirmos e percebermos esse estado de saciedade moderada, são necessários, na minha concepção, três fatores:
1. Quantidade adequada de comida. Esse fator é o mais óbvio: para ficarmos saciados, precisamos de uma quantidade de comida compatível com a fome que nos fez comer, ou pelo menos uma quantidade de comida que faça com que a parede do nosso estômago se distenda (a distensão estomacal transmite um sinal ao cérebro de que já estamos alimentados). Além disso, quanto mais macronutrientes presentes na comida – carboidratos, lipídios, proteínas –, mais saciados ficamos, já que esses nutrientes favorecem a liberação de hormônios sacietógenos.
2. Atenção ao comer. Diversos estudos mostram que a falta de atenção ao comer faz com que comamos mais, especialmente por não percebermos os sinais sutis da  saciedade. O livro Mindless eating, do autor Brian Wansink, traz várias evidências a esse respeito. Experimente comer sem distratores – celular, tablet, televisão, computador, dentre outros – para ver o que muda.
3. Prazer. Quando comemos aquilo que de fato queremos e nos permitimos sentir prazer – e não culpa –, a tendência é comermos menos. Afinal, a experiência de saciedade não é somente física. Uma outra palavra usada para definir saciedade é satisfação, mostrando a importância do prazer para que a nossa experiência seja a mais plena possível. Quando comemos aquilo que gostamos, não ficamos buscando compensar a falta de satisfação do paladar com uma quantidade maior de comida.
Você percebe a influência desses três fatores? De que maneiras você pode contribuir para que sua experiência de saciedade seja a mais plena possível?
Boa semana a todos!

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Estar presente para si mesmo

Estudando e lendo sobre autocompaixão, tenho me maravilhado cada vez mais com seu efeito transformador sobre nossas vidas. Autocompaixão é a habilidade de estar sensível ao seu próprio sofrimento e comprometer-se a agir da melhor maneira possível para tentar aliviá-lo. Parece simples e até mesmo óbvio, não?

O que acontece, porém, é que em muitas circunstâncias somos capazes de potencializar nosso próprio sofrimento. Quando algo ruim acontece ou ao sentirmos que falhamos, ao invés de reconhecermos nossa vulnerabilidade – afinal, errar é humano! – e nos tratarmos com gentileza, nos criticamos e nos julgamos, aumentando ainda mais a sensação de impotência e inadequação. Em última instância, não encaramos o nosso sofrimento com a atenção e o cuidado que ele merece. Resultado? Muitas pessoas, frente a uma situação emocionalmente desafiadora, acabam comendo como forma de aliviar ou de não precisar entrar em contato com o que está acontecendo.

Existe um ditado budista que diz: cuide da sua dor como se estivesse cuidando de um amigo que está machucado. Essa fala é muito sábia, pois de fato não é possível aliviar sofrimento por meio da autocrítica e do autojulgamento! Então, da próxima vez que sentir que errou, tente estar presente para si mesmo. Acolha sua dor, sua culpa, e tente não se julgar ou se criticar demasiadamente nesse momento tão delicado. Se abrace e esteja consigo mesmo. Pergunte-se o que de melhor você pode fazer para se aliviar e se cuidar. Explore maneiras alternativas à comida para obter aquilo que de fato você precisa.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Comida com história – Comer com Atenção Plena e sustentabilidade

 
Esses dias, durante o treinamento profissional do programa Mindfulness Based Eating Awareness Training (MB-EAT), minha amiga e nutricionista que admiro Camila Lafetá usou o termo “comida com história” para se referir a um delicioso queijo frescal que experimentamos. Comida com história é aquela que você reconhece minimamente da onde vem; que passou por poucas transformações da indústria para chegar até você; e que possivelmente evoca memórias de vida prazerosas. Na definição da própria Camila: “comida com história remete ao ingrediente mais natural, à fazenda, ao produtor e a quem escolheu servi-lo. Tem afeto nessa escolha. Se pensarmos em queijo, aquele que é processado e vendido em caixinha (não vou citar marca!) não pertence a ninguém, não remete ao animal, ao leite, ao trabalho de quem o fez. Está afastado da vida, é só uma manufatura sem memória”.
As diretrizes do TheCenter for Mindful Eating (TCME), organização da qual sou membro, diz que uma pessoa que come com atenção plena “é consciente a respeito da interconexão que existe entre a terra e os seres vivos e a respeito do impacto que suas escolhas alimentares têm sobre esse sistema”. Isso significa que esse indivíduo entende que suas escolhas têm um efeito que vai além da sua própria saúde: elas impactam a saúde de todo o planeta, pois estamos todos interconectados.
"Um grão de arroz contém todo universo”, como diz o monge Thich Nhat Hahn. Alguém que come com atenção plena percebe que comer sustentável vai muito além do “comer orgânico”. Comer sustentável é incorporar comidas que tenham história.
E você, quais comidas/bebidas tem consumido? Você sabe a história delas?
Boa semana a todos!

domingo, 9 de outubro de 2016

Sobre furto e nhoque

Acabei de retornar de uma viagem de férias à Itália. Foi uma viagem maravilhosa: pude praticar meu italiano, admirar lindas paisagens e obras de arte e pensar na vida; pude meditar quase todos os dias e com isso enriquecer minha prática de mindfulness (atenção plena). Mas acredito que a prática mais enriquecedora foi no dia em que furtaram meu celular.

Lá estava eu, na maravilhosa confusão que é a ponte Vecchio em Florença, a caminho para o jardim de Boboli (ambos citados no livro “Inferno” de Dan Brown). Minha bolsa estava fechada e eu a carregava em meu ombro. Num determinado momento, percebi que o zíper estava aberto. Senti um calafrio e uma onda de ansiedade crescendo... Ao olhar para dentro dela, um alívio momentâneo: carteira e passaporte estavam ali. Mas não o celular.



Senti o desespero crescendo: estava sozinha, longe de casa, e todas as fotos da viagem até então estavam naquele aparelho. Quase que de repente, percebi as reações do meu corpo e a aceleração da minha mente e comecei a respirar. Uma, duas, três respirações. Ao invés de reagir automaticamente e começar a chorar e a xingar o indivíduo que me furtou (o que eu certamente teria feito num passado não tão distante), continuei parada e respirando por mais um minuto ou dois. Sentei num banco e tirei todas as coisas da bolsa para ter certeza de que o celular de fato não estava ali. Perguntei a um vendedor de bolsas que estava na calçada onde poderia encontrar os carabinieri (polícia). Enquanto caminhava até o local, tomei consciência da minha ruminação mental: “por que eu? Qual a chance de não ser roubada no Brasil e sim na Europa? Espero que o FDP que me furtou receba o que merece algum dia!”.

Ao me dar conta do meu sofrimento, tentei exercitar a compaixão: “tudo bem Carol, pelo menos você está bem. Não deixe isso estragar sua viagem, afinal, isso pode acontecer com qualquer um. Nada justifica um furto, mas vai saber o que levou essa pessoa a te furtar...” (essa parte confesso que foi difícil!). Depois de fazer a denúncia à polícia, encontrei uma loja da Apple, bloqueei o aparelho e fui almoçar.

Ao sentar no restaurante, a cabeça latejando, disse a mim mesma que o melhor a fazer naquele momento era aproveitar ao máximo o almoço, pois de nada adiantaria alimentar pensamentos de vitimização. Então decidi que aproveitaria a oportunidade para fazer uma refeição com atenção plena. Pedi um nhoque caseiro com molho de queijos e pera glaceada. Senti a textura de cada bolinha macia, o sabor, a temperatura. Senti o estômago sendo apaziguado, a fome física indo embora e o conforto emocional que se instalava em meu corpo. Ao final, agradeci a mim mesma por ter me permitido apreciar uma das mais deliciosas refeições da minha vida, coisa que não teria acontecido se minha mente não estivesse 100% engajada e presente naquele momento (talvez ainda ruminando o infortúnio de ter sido furtada). Agradeci também à comida, por ser muito mais que um amontoado de nutrientes, por alimentar não só meu corpo, mas também minha mente e minha alma.

Boa semana a todos!

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O que são pensamentos?

"Se você estiver preso no seu trânsito mental, respire"
 
Esses dias me peguei pensando sobre o poder que têm os pensamentos. E o que são eles afinal? Para mim, são ideias que surgem na mente – muitas vezes mediadas por emoções que estamos sentindo – e que têm por objetivo nos passar alguma mensagem: a respeito de nós mesmos ou da situação e do ambiente em que estamos. Por exemplo: se estamos numa sala e alguém grita “FOGO!”, um pensamento que surgirá automaticamente é “CORRA!”.

O problema é que pensamos sem parar, isso faz parte da natureza humana. Uma analogia budista diz que nossos pensamentos são como macaquinhos, pulando de galho em galho: algo que eu deveria ou não ter feito, algo que preciso ainda fazer, julgamentos a respeito de mim e do outro... Apesar de serem efêmeros – eles vêm e vão – e de só existirem em nossa cabeça, nossos pensamentos podem ser tão fortes e poderosos que muitas vezes nos arrastam para onde bem entendem, e ficamos presos numa ruminação sem fim.

Isso acontece muito com meus pacientes que apresentam uma preocupação exacerbada – por vezes obsessiva – com a comida, atividade física e o corpo. A todo momento pensando com muito julgamento no que devem comer, no que não devem, em quanto precisam malhar para “queimar” aquelas calorias, em como “não precisavam” ter comido aquele chocolate, remoendo a culpa... Isso muitas vezes os impede até mesmo de levar adiante suas atividades diárias, pois não conseguem se desvencilhar desses pensamentos, e obviamente eles têm muita dificuldade de sentir prazer e satisfação com aquilo que comem.

Sabendo sobre essa natureza efêmera dos pensamentos, um primeiro passo seria se aproximar de fato deles, tomar consciência e ouvir sua voz. Em que situações o pensamento se manifesta? Como ele “fala” comigo? O tom é crítico, julgador, debochado? E mais importante: a mensagem que ele está tentando me passar é real, me diz algo verdadeiro sobre mim mesmo ou sobre o que de fato vai acontecer? Ou é só um pensamento? Se for só um pensamento, respire fundo, agradeça-o e deixe-o ir.

Um exemplo prático: a pessoa comeu um fast food e já começa a pensar em como não deveria ter comido aquilo, e em quanto vai ter que correr na esteira para compensar aquela refeição. Para essa pessoa, esse é um pensamento que já vem de forma automática. Ela pode notar que está pensando sobre isso e se questionar: será mesmo que um único sanduíche é capaz de me engordar? Será que realmente é necessário fazer alguma compensação? Todos que comem um sanduíche e não compensam engordam? Será que eu não comi pois de fato estava com vontade? Isso por acaso é tão errado assim? Depois de observar seu pensamento e entender que talvez ele seja somente isso – um pensamento –, essa pessoa pode agradecê-lo e deixá-lo ir embora, como uma nuvem que desaparece no céu.  

Esse é um exercício de atenção plena, uma “musculação mental” que requer prática diária. Não é fácil. Mas pode ser muito revelador e satisfatório. J
Boa semana a todos! Ah! E feliz dia do nutricionista!

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Aquilo que você pode mudar


Logo no primeiro capítulo do livro “Beyond addiction: how science and kindness help people change”, deparei-me com a frase acima, que é conhecida como oração da serenidade e inspirou o post de hoje.

É extremamente comum a ideia de que, se fizermos tudo “certo” – comermos bem, nos exercitarmos mais, enfim, vivermos melhor –, nosso corpo vai responder da maneira como queremos: vai ficar mais magro, mais forte, mais bonito. Assumimos uma postura de que o corpo “ideal” está ao alcance de todos, basta querer e ter “foco, força e fé”. Acreditamos que nossa forma física está sob nosso controle.

E é aí que nos enganamos.
A grande verdade é que não podemos controlar 100% as respostas de nosso corpo diante dos estímulos que damos. Em se tratando de peso corporal, por exemplo, diversos fatores além de calorias consumidas e calorias gastas influenciam, e alguns claramente não estão sob nosso domínio: genética, exposição a poluentes (entenda melhor aqui), falta de espaços públicos gratuitos (e seguros!) para a prática de atividade física, set point (peso em que o seu corpo se mantém em equilíbrio, veja mais aqui)...
Ou seja: nosso corpo não é uma massinha de modelar. Podemos controlar alguns fatores que influenciam nosso peso, mas não todos. E é por isso que algumas pessoas que têm uma alimentação saudável e praticam exercício regularmente não emagrecem, assim como existem outras que comem mal e são sedentárias e não engordam.
Peso não é comportamento. Peso não determina saúde.
Que tal, então, focarmos naquilo que de fato podemos controlar e deixar o corpo responder naturalmente? Fica o desafio J
Coisas que podemos controlar/mudar (e que podem influenciar nosso peso corporal):
Percepção dos sinais de fome e saciedade

Bem-estar emocional
Alimentos que compramos em casa

Hábito de cozinhar
Manejo de estresse

O quanto nos exercitamos e levamos uma vida ativa
Como e quantas horas dormimos (qualidade do sono)

O quanto somos compassivos e gentis conosco mesmo
Prazeres que temos na vida (para que a comida não se torne o único)

Boa semana a todos!

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Comer com Atenção Plena (Mindful Eating) traz benefícios para pessoas com diabetes?


Esse final de semana eu dei mais um curso de Comer com Atenção Plena pela Nutrição Comportamental com duas nutris amigas, a Fernanda Timerman e a Manoela Figueiredo. Já escrevi sobre essa abordagem aqui no blog outras vezes, e é um dos temas que mais tenho estudado e pelo qual tenho me apaixonado a cada dia.
Recentemente, saiu um artigo sobre a aplicação do Mindfulness-Based Eating Awareness Training (MB-EAT, programa de consciência alimentar baseado em Atenção Plena) em pacientes com diabetes tipo 2. O objetivo do estudo foi comparar esse programa – que visa aumentar a consciência dos indivíduos a respeito de seus sinais internos de fome, apetite e saciedade, dentre outras coisas – com uma outra intervenção “convencional” para o tratamento do diabetes, cujo foco é aumentar conhecimento nutricional para melhorar escolhas alimentares. O estudo durou seis meses e contou com cerca de 50 adultos entre 35 e 65 anos, que participaram de uma das duas intervenções citadas.
Os achados indicaram que não houve diferença entre os grupos em relação à perda de peso. Em ambos, houve melhoras significativas em sintomas depressivos e em autoeficácia alimentar, o que levou os autores a concluir que ambas as estratégias são efetivas e válidas no tratamento e controle do diabetes.
Já praticou Atenção Plena hoje? :)
Boa semana a todos!
PS: se você é nutricionista, aproveite para se inscrever na primeira formação do MB-EAT aqui no Brasil, em outubro, proporcionada pela Nutrição Comportamental! Veja aqui.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Meu filho está acima do peso. Devo abordar isso com ele?


Vou começar o post já com a resposta para a questão do título: segundo estudos científicos recentes, melhor não.
 
Um estudo de 2010, sobre o qual já escrevi aqui no blog, mostrou que saber que o filho estava gordo fez com que os pais incentivassem mais a prática de dietas – fator de risco importante para o surgimento de transtornos alimentares e obesidade –, mas não fez com que ele emagrecesse.
 
Já um estudo de 2016 com 500 mulheres entre 20 e 35 anos encontrou que a insatisfação com o peso estava diretamente relacionada ao fato delas se lembrarem de seus pais fazendo algum tipo de comentário sobre seu corpo quando jovens. Além disso, comparando mulheres com peso eutrófico/normal, aquelas que se lembravam desses comentários eram mais insatisfeitas com seu peso do que as que não se lembravam. E segundo o pesquisador principal do estudo, a influência negativa desses comentários foi a mesma independentemente da frequência com que eles ocorriam, ou seja, não houve diferença na insatisfação com o peso entre as mulheres que se lembravam de poucos ou muitos comentários sendo feitos por seus pais quando jovens. Um outro dado interessante é que tanto comentários sobre o corpo e sobre quanto elas comiam estavam positivamente relacionados ao índice de massa corpórea (IMC) dessas mulheres.
 
Então, se comentar sobre peso com meu filho pode torná-lo mais insatisfeito com seu corpo e mais propenso a ganhar peso no futuro, o que posso fazer??
 
Como tento enfatizar em vários textos aqui do blog, o melhor é focar em estilo de vida e comportamentos, e não em peso. Seja proativo e lidere pelo exemplo. Quer que seu filho coma mais frutas e menos doces? Compre mais frutas em casa e inclusive coma junto com ele. Peça ajuda dele para preparar refeições caseiras, ao invés de optar pelo delivery de fast food. Proponha um passeio no parque aos finais de semana, torne o ambiente familiar num espaço em que seja mais fácil fazer escolhas saudáveis. E mais importante: ajude-o a entender que o foco deve ser a mudança de comportamentos, e não o valor mostrado na balança. Deixe claro que você vai amá-lo não importando o peso que ele tem.

Meu filho está acima do peso. Devo abordar isso com ele?


Vou começar o post já com a resposta para a questão do título: segundo estudos científicos recentes, melhor não.
 
Um estudo de 2010, sobre o qual já escrevi aqui no blog, mostrou que saber que o filho estava gordo fez com que os pais incentivassem mais a prática de dietas – fator de risco importante para o surgimento de transtornos alimentares e obesidade –, mas não fez com que ele emagrecesse.
 
Já um estudo de 2016 com 500 mulheres entre 20 e 35 anos encontrou que a insatisfação com o peso estava diretamente relacionada ao fato delas se lembrarem de seus pais fazendo algum tipo de comentário sobre seu corpo quando jovens. Além disso, comparando mulheres com peso eutrófico/normal, aquelas que se lembravam desses comentários eram mais insatisfeitas com seu peso do que as que não se lembravam. E segundo o pesquisador principal do estudo, a influência negativa desses comentários foi a mesma independentemente da frequência com que eles ocorriam, ou seja, não houve diferença na insatisfação com o peso entre as mulheres que se lembravam de poucos ou muitos comentários sendo feitos por seus pais quando jovens. Um outro dado interessante é que tanto comentários sobre o corpo e sobre quanto elas comiam estavam positivamente relacionados ao índice de massa corpórea (IMC) dessas mulheres.
 
Então, se comentar sobre peso com meu filho pode torná-lo mais insatisfeito com seu corpo e mais propenso a ganhar peso no futuro, o que posso fazer??
 
Como tento enfatizar em vários textos aqui do blog, o melhor é focar em estilo de vida e comportamentos, e não em peso. Seja proativo e lidere pelo exemplo. Quer que seu filho coma mais frutas e menos doces? Compre mais frutas em casa e inclusive coma junto com ele. Peça ajuda dele para preparar refeições caseiras, ao invés de optar pelo delivery de fast food. Proponha um passeio no parque aos finais de semana, torne o ambiente familiar num espaço em que seja mais fácil fazer escolhas saudáveis. E mais importante: ajude-o a entender que o foco deve ser a mudança de comportamentos, e não o valor mostrado na balança. Deixe claro que você vai amá-lo não importando o peso que ele tem.

sábado, 9 de julho de 2016

Sobre valores e prioridades


Tenho me aproximado bastante ultimamente de uma abordagem de psicoterapia chamada de Terapia de Aceitação e Compromisso (Acceptance and Commitment Therapy - ACT). Basicamente, essa abordagem comportamental usa conceitos de aceitação e atenção plena (mindfulness) para engajar um indivíduo em ações e comportamentos que sejam compatíveis com seu conjunto de valores de vida. Ou seja: muito da motivação interna para agirmos vem do quanto aquela ação é de fato relevante dentro do nosso conjunto de valores de vida. E cada um de nós valoriza coisas diferentes: trabalho, família, sucesso, saúde, etc.
O objetivo desse post não é exatamente entrar em detalhes sobre essa terapia, até porque não sou nenhuma expert. Mas essa semana pude perceber na pele que nossas ações mais motivadas estão intimamente relacionadas aos nossos valores mais íntimos e àquilo que consideramos como sendo mais importante em nossas vidas.
Na terça feira minha mãe foi internada com uma pneumonia atípica que atingiu os dois pulmões. Eu fiquei muito apreensiva e preocupada. Minha cabeça começou a ruminar coisas negativas e, nesse momento, a prática de atenção plena foi bem importante: pude perceber meu fluxo mental e não “ir embora” com meus pensamentos. Uma prática que gosto bastante é a do “oi pensamento, obrigada pensamento, tchau pensamento”. Ou seja, quando se perceber pensando “demais” ou quando o conteúdo do pensamento for desagradável, reconheça, agradeça e deixe ele ir.
Além disso, percebi o quanto meu comportamento mudou nessa semana. Muitas das coisas importantes que eu tinha a fazer foram deixadas em segundo plano, pois minha prioridade mudou. Como família é um valor muito importante para mim, tudo aquilo que não era urgente e essencial foi deixado para depois, já que o mais importante era estar no hospital e cuidar/fazer companhia à minha mãe. Não fui à academia, remarquei um ou outro paciente, não estudei... Ou seja: agi de acordo com o valor que era essencial para mim na situação que se apresentava. Quando é muito importante, a tendência é que façamos o que precisa ser feito.
Hora do suplemento para não desnutrir ;)
Muitas pessoas se perguntam: “bom, mas se eu quero tanto perder peso, por que não consigo comer menos e melhor e fazer exercício?”. Uma das razões é que perder peso não é um valor de vida. O que está por trás do seu desejo de perder peso? Melhorar a saúde? Se sentir mais confiante? Ter mais disposição para cuidar de seus filhos? Descobrindo aquilo que realmente  você busca e valoriza, questione-se: o que você pode fazer hoje – independentemente da perda de peso – para conquistar aquilo que almeja? Quais os ganhos que você tem em não mudar? Porque se você age de determinado modo que não é compatível com o valor que você tanto busca, provavelmente você tem algum ganho secundário com isso.
Reflita sobre o que é prioridade pra você. Pois quando é prioridade, encontramos tempo. E tudo dá certo no final J

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O corpo é seu!



Hoje divulguei na página do Facebook do blog uma propaganda de uma linha americana de roupas plus size falando sobre gordofobia e sobre como pessoas obesas – em especial mulheres – pelo menos uma vez na vida já se sentiram desvalorizadas e incapazes de alcançarem seus sonhos e objetivos, exatamente por terem um corpo mais gordo (veja o vídeo aqui).
Muitas pacientes que eu atendo – pra não dizer todas –, independentemente do tamanho de seus corpos, já se sentiram ou se sentem inadequadas na pele em que habitam. Não só por não corresponderem às múltiplas exigências de um padrão de beleza extremamente rígido, mas também por ouvirem quase todos os dias comentários que menosprezam e depreciam seus corpos. Muitas vezes, são comentários sutis, verbalizados por pessoas próximas (colegas de trabalho, amigos, maridos, pais, etc):
“Você tem um rosto tão lindo, ficaria ainda mais bonita se perdesse só uns 2 kg...”
“Querida, não acho que deva usar essa roupa, ela não te favorece...”
“Nossa, você está barrigudinha hein...”

Acredito que muitas pessoas que fazem esse tipo de comentário não fazem ideia do impacto deletério que eles têm sobre quem está ouvindo, especialmente se for uma pessoa que já apresente questões de autoestima. Nosso self talk - a linguagem mental que usamos para nos referir a nós mesmos, nossa autocrítica - já é tão negativo, somos tão críticos e exigentes conosco mesmo, que acabamos externalizando isso e atingindo aqueles que nos cercam. E quando uma pessoa ouve muitas vezes comentários como os descritos acima, ela passa a acreditar neles e sua visão a respeito de si própria se torna ainda mais negativa.
Quando as pacientes me trazem esses relatos, do que foi dito a respeito do corpo delas, eu sempre questiono como elas reagiram. A maioria diz que não conseguiu dizer nada, com receio de parecer indelicada... E, afinal, fulano não falou por mal/ele só quis ajudar/ele tem razão...
Digo a elas que ninguém tem o direito de fazer comentários inapropriados sobre o corpo delas, não importando a intenção que está por trás (não consigo entender como alguém que deprecia o corpo alheio acredita que tal comentário possa ajudar, mas enfim...). O corpo é seu. Só você sabe o que é viver nele, suas limitações, seus valores, o prazer que ele te gera. Se alguém fizer um comentário que te desagrada, experimente ser assertiva e diga que não se sentiu bem/confortável com o que foi dito. Não tenha receio de defender aquilo que é mais fundamental à sua vida: seu corpo.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Feijoada também é #comidadeverdade

Busque o prazer em comer!

Dia desses, chegou uma paciente dizendo que gostaria de aprender a comer sem culpa e que, para isso, esperava que eu lhe passasse um cardápio somente com opções/receitas gostosas porém “saudáveis”, de forma que não “gerassem culpa”. Ou seja, na concepção inicial dela, provavelmente não seria possível comer brigadeiro ou lasanha sem sentir-se mal, já que esses alimentos não são vistos pela maior parte da sociedade como saudáveis...

O fato é que comida e culpa não deveriam andar juntas. A nutricionista americana Evelyn Tribole, que escreveu o livro Intuitive Eating (Comer Intuitivo), contou uma vez em um workshop que, quando sua paciente referiu que sentiu culpa comendo, ela questionou: “culpa por quê? Você havia roubado a comida?!”.  Ela ironizou com o fato de que o que está errado não é a comida, e sim a culpa. Não importa o que e quanto você tenha comido. E sabe por quê?

1. Se você observar pessoas que têm uma boa relação com a comida (seus pais e avós podem ser boas opções) e questionar se elas sentem culpa quando comem, provavelmente a resposta será um belo e grande NÃO;
2. Sentir culpa não muda comportamento alimentar e não faz você comer menos/melhor. Quanto pior você se sente, menor a probabilidade de conseguir mudar sua relação com a comida. Um estudo de 2015, por exemplo (veja aqui) encontrou que indivíduos que associaram um alimento - bolo de chocolate - com culpa apresentaram uma pior relação com a comida, hábitos alimentares menos saudáveis e menores níveis de controle alimentar quando em situações de estresse;
3. Comer com prazer é um componente importante na geração de sinais de saciedade. Geralmente, quando se come com prazer, se come menos. Isso só não tende a acontecer quando estamos muito distraídos – assistindo Netflix, conversando sem parar com os familiares na mesa do almoço de domingo – ou quando uma das únicas fontes de prazer/conforto na vida do indivíduo é a comida. Mas o “problema” nesses casos não é o prazer, e sim a falta de atenção plena ao se alimentar e o comer emocional (vejam este estudo interessantíssimo sobre prazer e comer saudável). 
Muitos blogueiros fit usam a hashtag “#comidadeverdade”, mas se esquecem que comida de verdade não leva suplemento como whey protein na receita e que feijoada também é comida de verdade!
Quer manter uma relação saudável e descomplicada com a comida e seu corpo? Não é necessário aderir a modismos alimentares. Busque  um nutricionista especializado que possa te ajudar a lidar com sua autocrítica excessiva e com a culpa ao comer. E trabalhe a permissão alimentar.
Boa semana a todos!

quarta-feira, 27 de abril de 2016

As principais barreiras para comer melhor - parte 2


Dando continuidade ao texto da semana passada, aqui estão algumas outras barreiras para comer melhor que identifico em meus pacientes:  
1. Viver no piloto automático: é impressionante o número de reações automáticas que podemos apresentar quando estamos diante de um estímulo alimentar. Algumas pessoas vão ao cinema e, sem nem mesmo avaliar se estão com fome ou vontade naquele momento, acabam entrando na fila da pipoca.  Outras vão ao rodízio e, “para fazer o dinheiro valer”, terminam comendo excessivamente, até se sentirem fisicamente desconfortáveis.
Tente se reconectar consigo mesmo quando estiver diante da comida. Preste atenção nas decisões automáticas que surgem e reflita se elas fazem sentido naquele momento. Por que estou comendo? Estou com fome ou vontade? Como estou me sentindo? Estou comendo só porque vi o alimento? Vou me sentir bem se comê-lo neste momento?
2. Comer enquanto a cabeça passeia: muitas vezes enquanto comemos, não estamos de fato presentes na experiência sensorial que a comida nos proporciona. Pensamos no que deixamos de fazer, nos preocupamos com aquilo que ainda precisamos resolver, imaginamos a viagem do próximo final de semana e/ou sentimos culpa por termos decidido comer algo que consideramos “proibido”.
Quando estamos comendo mas não estamos de fato presentes, a experiência alimentar fica incompleta, nos desconectamos de nossos sinais internos e não obtemos o máximo de prazer que poderíamos obter. Com isso, acabamos comendo mais para nos sentirmos saciados e satisfeitos.
3. Tentar se livrar de sensações desconfortáveis por meio da comida: evolutivamente, nós temos a tendência natural de querer nos livrar daquilo que é desagradável e desconfortável, e muitas vezes acabamos usando a comida com essa função. É o chamado comer emocional. E não há nada de errado em se buscar um pouco de conforto no alimento, mas isso se torna problemático quando a comida passa a representar um dos únicos modos de enfrentamento de emoções. Se o dia foi ruim no trabalho, “merecemos” passar no restaurante fast food favorito; se estamos entediados, pegamos um saco de salgadinho e nos sentamos em frente à televisão; se estamos cansados, abrimos uma lata de cerveja.

Tente perceber o quanto seus estados emocionais têm influenciado a quantidade e o momento em que se alimenta.



"Não consigo decidir se preciso de um abraço, de um café grande, de seis doses de vodka ou de duas semanas de sono."
4. Se tratar de forma dura e pouco compassiva. Temos muita dificuldade em lidar com nossas falhas e vulnerabilidades. Isso cria um desconforto que, como descrito acima, pode ser “tamponado” por meio da comida. Além disso, não exercitamos nossa permissão incondicional de comer aquilo que nos dá prazer e, quando comemos, nos sentimos tão culpados que passamos a funcionar no modo “8 ou 80”: agora que comi o que não devia, já era, vou continuar comendo!
Tente reconhecer e aceitar suas fragilidades, não se culpe e não se martirize. Trate-se como trataria um amigo querido que está sofrendo. E, se escolheu comer, procure apreciar e agradecer por estar comendo.  
"Cuide da sua parte frágil."

E vocês, identificam outras barreiras? Têm outras sugestões? Comentem aqui :)
Boa semana!

terça-feira, 19 de abril de 2016

As principais barreiras para comer melhor - parte 1

"Parece sempre impossível, até que é feito"

Muitas pessoas chegam ao consultório e dizem que até sabem o que precisam fazer/mudar na alimentação, mas que de fato não conseguem tirar aquilo do plano das ideias e concretizar mudanças graduais e duradouras de comportamento alimentar.
E por que não conseguem? Bem, essa é a pergunta de um milhão de dólares! Não existe uma resposta absoluta, cada pessoa tem uma história de vida e um padrão único de crenças e comportamentos. Neste post e no próximo, tentarei abordar algumas das principais barreiras para comer melhor que identifico em meus pacientes:
1. Cuidar dos outros e não de si: existem pessoas extremamente cuidadosas, sempre pensando nos outros e colocando os desejos e necessidades dos demais diante dos seus próprios interesses. É o caso de uma paciente, por exemplo, que acorda cedo para servir o café da manhã ao marido e às filhas e, quando se dá conta, já está atrasada para o trabalho e sai sem comer. Ou de um outro paciente que, por sempre fazer hora extra no trabalho (para dar conta de terminar aquilo que os colegas de equipe não conseguiram), nunca consegue chegar cedo em casa para cozinhar algo gostoso, e acaba pedindo delivery. Não há problema em ser solidário e ajudar os outros, mas constantemente abrir mão do seu próprio autocuidado pelo do próximo pode se tornar um problema.
2. Responsabilizar as circunstâncias da vida pelas escolhas alimentares: as situações diárias em nossa rotina são o que são, e muitas vezes não temos como mudá-las. O que podemos é tentar controlar a nossa resposta, nossa escolha diante da realidade atual. Alguns pacientes ficam esperando o “momento ideal” para começar a fazer mudanças na alimentação, mas como o ideal não existe, acabam deixando sempre para depois. A vida é corrida sim, cheia de imprevistos, mas é nesse contexto que podemos sempre buscar uma alternativa. Uma paciente, por exemplo, se programou para fazer salada de quinua com damasco e frango grelhado no jantar. Porém, como as coisas no trabalho não saíram como o previsto e ela saiu muito tarde, acabou se frustrando e ligando o “dane-se”: passou no drive through da lanchonete e comeu um sanduíche com batatas fritas no próprio carro. Almeje progresso, e não perfeição. Tente fazer a melhor escolha diante da situação que se apresenta, mesmo que não seja a escolha “perfeita”.
3. Não ter a comida como prioridade na vida: uma querida amiga nutricionista sempre diz que a comida não é a coisa mais importante da nossa vida, mas que deve ser uma delas. Quando as pessoas dizem que não têm tempo para pensar no que comer, para comprar alimentos in natura, para cozinhar mais em casa, eu sempre me lembro que tempo é questão de prioridade. Fazer mudanças na alimentação requer dedicação e desejo de olhar para a rotina e entender como e por que se está comendo. Cozinhar mais é uma das grandes mudanças que podemos fazer em prol de nossa saúde física e mental. Para quem duvida, sugiro assistir ao documentário “Cooked”, disponível no Netflix.
E você, se identifica com alguma dessas barreiras? Reconhece outras na sua rotina? Deixe seu comentário :)

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Quando a motivação é o emagrecimento... Que mal há?



“Bom dia, Fulano, me conte um pouco sobre você e sobre como posso te ajudar”. Essa é sempre uma das primeiras perguntas que faço a meus pacientes novos, e confesso que fico com um pé atrás quando a resposta é uma variante de “eu quero perder peso”, mesmo quando o indivíduo de fato poderia ser classificado como sobrepeso ou obeso.

Não é porque eu não queira entender e validar o desejo de emagrecer daquela pessoa; concordo que, em nossa sociedade bastante gordofóbica, é difícil ser obeso. É difícil se sentir confiante e ter crítica a todo momento do padrão de imagens manipuladas e glamourizadas de corpos que nos é imposta. É difícil lidar com algumas limitações de um corpo gordo (por exemplo, encontrar roupas confortáveis e que não pareçam “sacos de vestir”, como uma paciente minha descreveu).
A razão principal para eu ficar ressabiada quando o indivíduo diz que veio me procurar porque quer perder peso é simples: percebo que o desejo de emagrecer não é um bom motivador para mudanças de comportamento duradouras.
Explico melhor: sou muito fã dos chamados baby steps, ou seja, das mudanças pequenas mas que vamos fazendo consistentemente e que ao longo do tempo nos alavancam a mudanças maiores e mais impactantes. Um paciente que quase nunca come salada e frutas, por exemplo, provavelmente não vai perder peso tão já; é preciso criar uma meta pequena, como inserir uma fruta no meio da tarde, para depois de um tempo – quando essa fruta virar hábito – inserir um legume da preferência do paciente no almoço, e também no jantar, e mais uma fruta... Até que chegamos a um padrão adequado e saudável de alimentação. Acho que a maioria dos nutricionistas há de concordar que pequenas mudanças graduais são mais vantajosas a longo prazo que grandes mudanças radicais e abruptas.
Mas aí entra a ironia da história: quando a motivação do paciente para mudar comportamentos é emagrecer, ele muitas vezes não tem a paciência e a disposição para seguir esse processo orgânico. Porque começar comendo uma fruta, e depois aumentar para duas, e depois colocar a salada não necessariamente faz com que o indivíduo perca peso de forma rápida. Apesar dos benefícios à saúde que esses comportamentos estão trazendo, a tão esperada mudança corporal não vem na mesma velocidade. Então, o indivíduo desanima. Vem o pensamento: se não consigo fazer “perfeito”, do que adianta? Aí, o modo “dane-se” é ativado e a pessoa volta a se comportar como antes. Algo parecido acontece com a prática de atividade física: ou o indivíduo já começa a academia de segunda a sexta, uma hora ao dia, ou então “do que adianta” fazer duas vezes por semana por 40 minutos? Todo mundo sabe que isso não resolve nada! Nesse momento, o imediatismo toma conta e parece que qualquer coisa vale, contanto que o número na balança caia progressivamente.
Por isso que acho contraproducente enfatizar a medida do resultado do tratamento nutricional em número de quilos perdidos. Prefiro medir com base nos comportamentos que foram modificados e no bem-estar/saúde que essas mudanças trouxeram, independentemente da perda de peso. Como diz a nutricionista americana Mary Ryan, autora do blog BeyondBroccoli: progress, not perfection (progresso, e não perfeição).

quarta-feira, 23 de março de 2016

Como falar com seu corpo

"Não há pré-requisitos para se amar"
 
Hoje recebi por email uma newsletter do autor americano Elisha Goldstein, que também é um dos fundadores do The Center for Mindful Living em Los Angeles (saiba mais aqui). Tratava-se de um ensinamento do Buda sobre comunicação assertiva e empática, ou seja, uma maneira de dialogar com os outros que não provoca conflito e hostilidade. Resolvi trazer aqui no blog essas orientações budistas milenares para pensarmos um pouco na maneira como temos dialogado com nós mesmos, especialmente com nosso corpo.
A mensagem é simples. Ao falar/escrever, deixe suas palavras passarem por três filtros:
É verdadeiro?  Seus pensamentos e sensações em relação ao seu corpo representam uma verdade absoluta ou estão sendo influenciados por julgamentos excessivamente rígidos? Quando você pensa “estou gordo”, será que isso é mesmo real ou talvez o sentir-se gordo esteja camuflando uma outra emoção difícil? Todos te caracterizariam como uma pessoa gorda? E se for real, será que “gordo” é um adjetivo neutro para você, uma simples caracterização do seu estado físico, ou será que já não traz consigo significados e conotações morais e pejorativas?
É necessário? O quanto reclamar de seu corpo já contribuiu com uma melhora efetiva de sua relação consigo mesmo e de seu autocuidado? Será que é preciso despender tanta energia negativa com ruminações sobre o quanto seu corpo está “inadequado”? Que consequências isso trará em sua vida?
É gentil? Depreciar seu corpo te tornará mais confiante e motivado em adotar novos comportamentos? Você usaria as mesmas palavras que repete a si mesmo sobre seu corpo para falar de um amigo? Ou será que soaria muito ofensivo? Por que então se agredir?
Deixo então uma sugestão: experimente monitorar seu “diálogo mental” e tente mudar o tom quando estiver sendo excessivamente rígido e negativo em relação a seu próprio corpo. Ele é seu veículo aqui na Terra e merece seu respeito.
Boa semana!



terça-feira, 8 de março de 2016

Saúde mental apresenta deterioração após cirurgia bariátrica

Não é novidade que o número de cirurgias bariátricas no Brasil – e no mundo – tem crescido, e cada vez mais pessoas buscam o procedimento com a promessa de emagrecimento sustentado a longo prazo e melhor qualidade de vida. Entretanto, alguns estudos já mostram que o reganho de peso, muitas vezes excessivo, é inevitável (veja aqui e aqui), e alguns pacientes, inclusive, acabam por refazer as cirurgias devido a falhas em perder peso/manter o peso perdido (veja aqui).

Em relação ao bem estar psíquico, indicadores de saúde mental costumam melhorar nos dois primeiros anos pós-cirúrgicos, porém, após o terceiro ano esses efeitos tendem a não ser mais observados, e alguns pesquisadores chegam a afirmar que a taxa de suicídio entre pacientes bariátricos é significantemente maior que na população geral (veja aqui e aqui).

Um estudo israelense recente avaliou durante dez anos um grupo de indivíduos que passaram pela cirurgia, bem como um grupo de pessoas que passaram por programa de emagrecimento não cirúrgico. Os achados mostram que, ao final do período, indicadores de saúde mental apresentaram deterioração significante em comparação com os dados pré-operatórios, mesmo obtendo e mantendo uma perda de peso de sucesso para a técnica cirúrgica. O grupo que não passou pelo procedimento permaneceu psicologicamente estável em todos os pontos de análise do estudo.

Algumas explicações sugeridas pelos autores para essa piora na saúde mental é que os indivíduos que passam pela cirurgia muitas vezes têm expectativas muito altas sobre os ganhos que terão com ela, isto é, depositam todas as esperanças de felicidade e bem estar no emagrecimento promovido pela cirurgia. Eu mesma já vi muitos pacientes se desiludirem, pois emagreceram e a vida continuou com os mesmos problemas e conflitos; e muitas vezes, os problemas estão até piores, pois antes a pessoa usava a comida como recurso para lidar – ou melhor, não lidar – com algumas questões de sua vida, e após a cirurgia isso se torna mais difícil...

Muitos acham que a cirurgia é uma “solução mais fácil” para a questão da obesidade grau 3, a também chamada “obesidade mórbida”. Mas essa e outras pesquisas mostram que é justamente o contrário. A cirurgia deve ser o último recurso e os pacientes devem ser muito bem avaliados, já que é um procedimento drástico e que promove muitas mudanças fisiológicas e psicológicas. Daí a importância de uma boa indicação cirúrgica e de um bom acompanhamento multiprofissional.

Boa semana todos!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Lutando contra a obesidade ou contra o obeso?


 
Muitos que conhecem meu trabalho e/ou acompanham os posts aqui do blog sabem que eu tenho lutado – assim como outras colegas de profissão, diga-se de passagem – contra a visão do nutricionista como “emagrecedor”, pois é com essa expectativa que muitos pacientes vêm até nós ou são encaminhados por outros profissionais de saúde.

Já existem diversos trabalhos apontando a existência de obesos metabolicamente saudáveis, isto é, pessoas obesas que apresentam perfil metabólico adequado/saudável (veja aqui um estudo brasileiro revisando essa questão); já existem estudos que mostram que pessoas obesas apresentam menor mortalidade em casos específicos (por exemplo no diabetes tipo 2, como eu escrevi neste post); e há também pesquisadores que afirmam que uma perda de 5 a 10% do peso corporal – menos estética, porém mais fácil de ser alcançada e mantida – já é suficiente para reduções clinicamente significativas em marcadores de risco de doenças. Ainda assim, percebo um aumento cada vez maior e mais agressivo na tal “luta contra a obesidade”.

Quem trabalha na área e acompanha os achados científicos sabe que a obesidade é uma condição influenciada por diversos fatores – sedentarismo, ambiente atual que favorece um consumo maior de alimentos processados, genética, emoções e recursos de enfrentamento de situações estressantes, hormônios, bactérias intestinais, poluição... –, e nem todos passíveis de serem controlados em nível individual. Alguns pesquisadores apontam que indivíduos obesos, especialmente aqueles que já o são há algum tempo, possuem ainda adaptações biológicas que tornam a perda de peso bastante difícil: proliferação de preadipócitos, redução no gasto energético basal e aumento do craving por comida devido à prática de restrições calóricas (dietas!). Tratamentos medicamentosos e cirúrgicos parecem ter uma resposta mais rápida na perda de peso, mas não vêm sem efeitos colaterais adversos e muitas vezes não garantem que o peso perdido se sustente, já que as adaptações biológicas podem persistir mesmo quando o indivíduo atinge um IMC “saudável” (leia sobre isto no jornal científico The Lancet).

Não estou defendendo que todo obeso seja saudável, assim como não podemos afirmar que todos os magros o são; não proponho que sejamos lenientes quanto aos fatores ambientais que podem ser abordados para prevenir que mais pessoas se tornem obesas. Mas acredito que devemos ajudar o indivíduo a promover mudanças de comportamento que gerem saúde, independentemente da perda de peso. Acredito que devemos lutar não contra a obesidade, mas sim contra o estigma que a acompanha e que inclusive gera prejuízos à saúde psíquica de pessoas obesas. 


Charge que demonstra estigma da obesidade na área da saúde: "Doutor, fui empalado!" "Bem, talvez você se sinta melhor se perder peso."

Vamos refletir sobre isto?

Boa semana a todos!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Perda de peso e aumento de mortalidade no diabetes tipo 2

Já em 2013 eu escrevi um post no blog (veja aqui) sobre os resultados do ensaio clínico Look AHEAD, que teve como objetivo principal avaliar os efeitos de um programa intensivo de mudanças no estilo de vida na perda de peso de mais de 4.000 indivíduos com diabetes tipo 2 (DM2) que apresentavam excesso de peso. Em resumo, obteve-se que a perda de peso nos sujeitos estudados não promoveu uma redução na ocorrência de derrames, ataques cardíacos ou morte por eventos cardiovasculares – mesmo com a melhora nos parâmetros bioquímicos relacionados à ocorrência desses eventos. E agora em janeiro um estudo de coorte foi publicado (veja aqui)  trazendo resultados semelhantes e ainda mais interessantes.

Os pesquisadores acompanharam por 19 anos 761 pacientes adultos com sobrepeso e obesidade que apresentavam diagnóstico recente de DM2. O que se encontrou é que a perda de peso nesses indivíduos – mesmo naqueles com obesidade – foi um fator de risco independente para o aumento da mortalidade por todas as causas. Os autores sugerem um melhor prognóstico para aqueles que mantiveram o peso.

Você não leu errado: perder peso (intencionalmente ou não) pode ser um “tiro pela culatra” para pessoas adultas com diagnóstico de DM2. O estudo controlou diversas variáveis, o que torna esses achados verdadeiramente significantes.

Com base nesse estudo científico, proponho uma reflexão: vamos rever nossas condutas terapêuticas e nossa insistência em usar perda de peso como parâmetro de sucesso de tratamento com nossos pacientes? Vamos focar em mudanças de comportamentos que promovam saúde, mesmo que elas não resultem em perda de peso?
Boa semana a todos!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Compaixão e o ato de comer


 
Em meu contínuo estudo e prática de mindfulness (atenção plena), tenho entrado cada vez mais em contato com textos e pensamentos do budismo, tradição filosófica que alavancou a ocidentalização da prática de meditação . Um deles, que li no livro Savor: Mindful Eating, Mindful Life(escrito pelo mestre budista Thich Nhat Hahn e a nutricionista americana Lilian Cheung) é o sutra “A carne do filho”. O texto está abaixo:
Um casal e o seu filho mais novo estavam cruzando um vasto deserto a caminho de buscarem asilo em outra região. Mas eles não tinham planejado bem e, no meio do deserto, estavam somente na metade do caminho quando ficaram sem comida. Percebendo que todos os três iriam morrer no deserto, os pais tomaram uma decisão horripilante: matar e comer o próprio filho. Toda manhã eles comiam um pedacinho da carne do filho, o suficiente para ter energia de caminhar um pouco mais adiante, o tempo todo chorando: “onde está o nosso garotinho?” Eles carregavam o restante da carne do filho nos ombros, para que continuasse secando ao sol. Toda noite o casal olhava um para o outro e perguntava: “onde o nosso amado filho está agora?” E choravam, puxavam os cabelos e, consternados, batiam no peito. Finalmente, eles foram capazes de cruzar o deserto e chegar à nova terra. Quando Buda terminou de contar esta história, perguntou aos monges: “vocês acham que este casal gostou de comer a carne do filho deles?” “Não”, responderam os monges. “Esses pais sofreram terrivelmente quando tiveram que ingerir a carne do filho.” Então Buda disse: “Nós temos que comer de tal maneira que possibilite o cultivo da compaixão em nossos corações. Temos que comer em estado de atenção plena; se não, comeremos a carne de nossos próprios filhos.”
A interpretação budista dessa passagem é de que devemos pensar na interconectividade entre todos os seres vivos e buscar a sustentabilidade quando comemos, isto é, lembrar que a comida tem caráter sagrado pois uma série de coisas tiveram que acontecer para que ela chegasse até nós (“um grão de arroz contém todo o universo”, já diria o autor do livro acima). Muitos budistas são vegetarianos, pois acreditam que dessa forma estão sendo mais compassivos.
Usando o texto como inspiração para o post de hoje, gostaria de propor uma reflexão, levando em conta os princípios do Comer com Atenção Plena (Mindful Eating) e minha prática clínica com aqueles que têm uma relação complicada com a comida: você está sendo compassivo quando come? Ter compaixão é identificar o sofrimento que existe e lidar com ele de forma acolhedora, e não com julgamento e autocrítica. Você tem reconhecido suas dificuldades com a comida e com o corpo e tentado lidar com elas de forma mais gentil? Você tem estado atento para a maneira como seu corpo se sente quando comer determinados alimentos, ou tem usado a comida para se machucar (“já estou tão gordo/a mesmo que não fará diferença comer mais um bombom”) ou mesmo se confortar?
Tenha em mente que a compaixão – por si próprio, inclusive – é um dos atributos essenciais para que mudanças ocorram.
Boa semana a todos!