terça-feira, 17 de novembro de 2015

"Eu me sinto gorda(o)"

"Olhe para essa barriga. Devo estar ficando fabulosa!"
 
Se eu ganhasse um real toda vez que ouvisse essa frase ou mesmo variações dela (“eu me acho gorda
(o)”, “eu tô obesa(o)”, etc.) eu provavelmente estaria rica. Ouço no consultório, na academia, na aula de dança, na sala de ginástica do meu prédio, no restaurante comendo com alguém, no almoço de família aos domingos, no ônibus, no metrô, na sala de espera do médico...

Não é segredo que a mídia hoje propaga um padrão de corpo e beleza que é inatingível pela maioria das pessoas. O papel da mídia é esse: vender insatisfação para que nós compremos os meios que “aparentemente” nos levarão à satisfação: cremes, maquiagens, kits e livros de dieta, suplementos, “alimentos milagrosos”, planos de academia, cirurgias e pacotes estéticos, e por aí vai. Numa sociedade que a todo momento prega um padrão rígido de corpo, sem valorizar as diferenças entre os diferentes biotipos possíveis, não é incomum nos sentirmos inadequados em nossa própria pele, em nossa própria casa. Então, sempre sugiro às pessoas que, quando vier o pensamento automático “eu me sinto gorda(o)”, elas deixem de lado a autocritica e reflitam: gorda(o) em comparação a que?
Com o padrão inflexível e manipulado promovido aí fora?

Mas o sentir-se gordo por vezes revela algo mais. Revela emoções sobre si ou insatisfações em outras áreas da vida, que por não conseguirem ser expressadas de uma maneira mais saudável acabam se depositando no corpo. Eu sempre brinco com meus pacientes que “gordo” não é sentimento, então peço para que eles tentem preencher a lacuna do que de fato estão sentindo. E não é à toa que os dias em que nos sentimos piores conosco mesmo são os dias em que já não estamos muito bem de humor, por exemplo: aquele dia em que acordamos chateados, ou que tivemos algum problema em casa ou no trabalho... O quadrinho abaixo ilustra bem essa questão.



Uma psicóloga americana que gosto, chamada Nina Savelle-Rocklin (veja seu site aqui), diz ainda que sentir-se gorda(o) por vezes está relacionado à intensidade da emoção ou sentimento, ou seja, qualquer julgamento que tenhamos sobre nós e que seja exacerbado pode levar a essa interpretação de “estou muito gorda(o)”: me sinto tímida(o) demais, falante demais, inteligente demais...
Por isso, tente não acreditar imediatamente em seus autojulgamentos e em sua autocrítica. Tente observar com curiosidade qual filtro está sendo utilizado em seu olhar para si próprio. E tente sentir e entender suas emoções. Sem medo, com gentileza e compaixão.

Boa semana a todos!

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Sobre nudes e autocompaixão

Chegou em meus ouvidos que uma famosa blogueira fitness orientou que seus seguidores enviassem “nudes” (fotos nuas) aos amigos quando comessem algo que considerassem “errado” ou “proibido”, para evitar que isso acontecesse numa próxima vez. Tenho grandes ressalvas em relação a isso:

1. Não acredito que os amigos de ninguém gostariam de receber por whatsapp uma foto do indivíduo pelado/a;

2. Como uma pessoa que estuda mudança de comportamento alimentar, eu percebo que mudanças duradouras não surgem por meio da coerção, da culpa e da humilhação, e sim por meio do respeito por si próprio e da autocompaixão.

Tendo isso em vista, segue abaixo email que uma paciente mandou a uma pessoa de sua família, pedindo que esta parasse de julgá-la e estigmatizá-la por ser gorda (esse email é verídico e fui autorizada pela paciente a postá-lo):

Você disse que precisava falar.
 
Pois bem, eu também preciso.
Compreenda que não é a primeira vez que você me diz que estou gorda e preciso emagrecer. Você me diz isso todas as vezes que nos encontramos.
Compreenda que não preciso disso. Tenho espelho, revistas, informações, médicos e tabelas de IMC que me dizem o mesmo a todo momento. Eu não recuso sua contribuição,  ela só é redundante.
E compreenda também, que dizer isso não vai me deixar mais magra. Vai me deixar mais triste. Vai me fazer pensar mil vezes no que vestir para iludir minimamente você (e toda essa família que sempre olhou meus quadris antes de olhar meu olhos e perguntar como estou). No caso do resto da família, com quem minha relação é menos profunda do que com você, me faz, inclusive, evitar ao máximo esses encontros.
Hoje estou frequentando uma nutricionista, e meu objetivo com isso é melhorar a minha relação com a comida e com o meu corpo. Não com a balança.
Talvez não precisasse fazer isso se não tivesse crescido achando meu corpo errado, ruim e imperfeito. Mesmo quando, olhando retrospectivamente, não era.
Talvez não precisasse se tivesse aprendido a saborear uma mousse de chocolate de vez em quando, ao invés de devorá-la com culpa, raiva e uma certa sensação de vingança.
Talvez não precisasse disso se trinta anos fazendo dietas que obviamente não funcionam a longo prazo não as tivesse deixado cada vez mais difíceis de seguir.
Talvez não precisasse disso se o núcleo familiar em que cresci não estivesse sempre tão preocupado com aparências, em todos os sentidos, e muito mais com isso do que com saúde.
Não sei se seria mais magra ou mais gorda, mas certamente me seria mais fácil ir à praia, coisa que eu amo tanto e quase não faço, por me sentir completamente inadequada.
Você falou como profissional. Então, à profissional. Empatia funciona melhor que julgamento. Sei que você tem e exerce.
Boa semana a todos!

terça-feira, 3 de novembro de 2015

A polêmica dos alimentos que “dão” câncer

"Os médicos estão dizendo que cada pedaço de bacon que você come tira 9 minutos de vida. Baseado nessa matemática, eu já deveria ter morrido em 1732."
 
Há alguns dias têm se falado sobre um relatório da Organização Mundial de Saúde que inseriu as carnes embutidas e processadas – salame, salsicha, linguiça, bacon, mortadela, presunto e, quem diria, o queridinho das dietas, o peito de peru! – na lista do grupo 1 de carcinogênicos, que é o mesmo grupo do cigarro. Na verdade, pouco se falou sobre o relatório em si e o que de fato ele significa, mas muito se fez terrorismo nutricional com essa informação. Já tem gente chorando, achando que nunca mais poderá comer nada disso; já tem gente dizendo que comer esses alimentos faz tão mal quanto o cigarro; e você corre o risco, num almoço entre amigos, de alguém olhar para o seu prato e julgar as duas rodelas de paio que vieram junto com o feijão.
Estar nessa lista do grupo 1 de carcinogênicos significa que existe uma relação causal entre a substância/alimento que ali está e o surgimento de determinados tipo de câncer. Ou seja: comer embutidos (ou fumar) aumenta o risco de você desenvolver a doença. Mas atenção:
O aumento do risco não é igual para o cigarro e os embutidos. O cigarro aumenta em bem mais vezes o risco (veja mais aqui).
Isso não significa que os embutidos causam câncer, e sim que eles aumentam o risco.
Ainda assim, isso não significa que você necessariamente terá câncer se comer embutidos.
O surgimento de um câncer é multifatorial, ou seja, depende de uma série de fatores de risco – como estresse, inatividade física, exposição a agrotóxicos e poluição –  e também do indivíduo ter predisposição genética para desenvolver a doença!
Não estou advogando aqui que as pessoas então devam comer todo dias esses alimentos e em grandes quantidades. Voltamos então para a “regra” do equilíbrio! Tudo pode, tudo é saudável, contanto que haja equilíbrio!
Em resumo: não há nada de errado em querer diminuir a presença dos embutidos na sua rotina alimentar. Mas, por favor, não contribua com o aumento do pânico generalizado com a comida!
Boa semana a todos!