quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Por que a liberdade alimentar parece assustadora


Fico muito feliz de divulgar que a reportagem de capa da revista Vida Simples de dezembro, da qual eu participei, tem como título a frase “chega de dieta”. Ou seja, enquanto muitas revistas neste próximo mês estarão tratando das “comilanças” das festas de fim de ano e o que fazer depois para “compensar/detoxificar/emagrecer” (e sem dúvida surtar!), uma revista de grande circulação decidiu nadar contra a corrente. Palmas pra ela.

Mas resolvi escrever aqui sobre por que a ideia de fazer uma dieta pode ser confortante para algumas pessoas. Ou porque a liberdade alimentar pode parecer assustadora.
Em primeiro lugar, a indústria das dietas é uma das mais rentáveis do planeta: os últimos dados que pesquisei colocam sua lucratividade na casa dos seis bilhões de dólares ao ano. Ou seja, tem muita gente investindo para que a prática de dietas pareça algo funcional, esperançoso, ou mesmo glamourizado. Conversar sobre a mais nova dieta ou modismo alimentar te coloca dentro de um círculo social e dos tópicos das rodas de conversa. Assim como assistir a novela das oito (que agora é das nove...).

Em segundo lugar, fazer dieta pode trazer uma falsa noção de controle, já que ficar atento e obediente às regras alimentares impostas pela dieta dá a sensação de que uma parte da nossa vida caótica está “sob controle”.

Em terceiro lugar, as pessoas confundem “não fazer dieta” com “ser indulgente”, ou seja, comer o que quiser sempre que quiser. Não é bem assim... Liberdade alimentar implica em fazer escolhas, analisar o porquê de certas escolhas e responsabilizar-se por elas. Pra alguns, a proibição parece um caminho mais fácil, pois dessa forma não se pode comer e ponto final. Não é necessário fazer uma escolha, alguém já fez pra você.

Liberdade alimentar é saber que, moralmente, uma fatia de bolo de chocolate tem o mesmo valor e importância que uma maçã. Mas você não pode comer só maçã. Ou só bolo de chocolate...

Por fim, liberdade alimentar implica em autoconhecimento, em perceber suas sensações corporais de apetite, fome e saciedade. Implica em conhecer e entender o que de fato faz bem ao seu corpo, quais as sensações experimentadas depois de comer os diversos tipos de alimentos. Implica em reconhecer as “verdades alimentares” de cada um. Eu por exemplo, preciso comer algo sólido pela manhã, se não passo fome o dia todo; eu amo pastel, mas sei que não posso trocar um almoço por ele ou ficarei lentificada a tarde inteira.

Por isso, não me venha com iogurte e chia no café da manhã! E sei que é melhor pra mim passar reto pela feira na hora do almoço. Mas ter a liberdade de comer um pastel no happy hour do final do dia é fabuloso.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Cirurgia bariátrica aumenta risco de bebês prematuros

Já atendi algumas mulheres obesas cuja principal motivação para passar pela cirurgia bariátrica era o desejo de ter filhos. Sim, existem riscos associados à gestação quando a mulher é obesa (veja aqui), apesar de que existem pesquisas que indiquem que esses riscos não dependem só do peso inicial da gestante e sim do quanto ela ganha durante a gestação e de sua condição metabólica (ou seja, uma mulher magra que ganhe muito peso durante a gravidez pode ter um risco maior de complicações do que uma obesa metabolicamente controlada; vejam esse blog sobre os mitos da gestação na obesidade).

Neste sentido, estas mulheres que consideram a cirurgia como opção devem estar cientes dos riscos gestacionais que também existem após o procedimento. Um estudo de coorte recente analisou mais de um milhão de partos ocorridos na Suécia entre 1992 e 2009. As mães foram divididas em grupos: aquelas que haviam passado por cirurgia de obesidade (há uma média de cinco anos antes do parto), aquelas que não haviam passado e aquelas com IMC maior que 35 ou 40kg/m² (ou seja, que foram gestantes obesas). Diversos fatores que poderiam influenciar nos resultados do estudo foram controlados: IMC pré-gestacional, presença de tabagismo, idade materna, nível educacional.

Os resultados indicaram que gestantes pós-bariátricas apresentaram maior risco de nascimento pré-termo, ou seja, antes da 37a semana, e maior risco de terem bebês pequenos para a idade gestacional, mesmo comparando com gestantes obesas. Ou seja: neste estudo, as gestantes obesas apresentaram menores riscos que as gestantes pós-bariátricas, grifar! (para nascimentos pré-termo e bebês pequenos para a idade gestacional). Os autores sugerem que grávidas que já passaram pela cirurgia sejam consideradas no pré-natal como um grupo de risco, mesmo apresentando IMC eutrófico (IMC “normal”). Estes dados são evidências importantes que devem ser analisados durante a tomada de decisão para a cirurgia bariátrica.

Bom final de semana a todos!

sábado, 9 de novembro de 2013

Completamente transformado, mas ainda igual


Já são bem divulgados e reconhecidos os efeitos benéficos da cirurgia bariátrica a curto e médio prazo, especialmente para pacientes que de fato possuem indicação para o procedimento e que são bem acompanhados durante todo o processo: perda e manutenção do peso perdido (apesar de que existem estudo que mostram que até 40% dos pacientes não atingem a meta de peso esperada a longo prazo); aumento do bem-estar geral; melhoras na saúde física. Entretanto, aspectos que na minha opinião não são suficientemente abordados com os pacientes antes e após a cirurgia são as dificuldades em lidar com as grandes transformações físicas e psíquicas resultantes do procedimento, principalmente a longo prazo (mais de cinco, dez anos). Citando alguns exemplos:

- muitos pacientes consideram a rápida mudança de imagem corporal algo difícil de se compreender, muitos se sentem vulneráveis e podem enfrentar situações negativas nos relacionamentos com família e amigos
- o reganho de peso, que até certo ponto é normal e esperado, pode ser visto como frustrante, vergonhoso e traumático
- o papel da comida na vida dos pacientes muda muito, e alguns podem sentir falta do conforto emocional que ela proporcionava, buscando então por outras formas inadequadas de lidar com sensações desagradáveis (abuso de álcool e drogas, por exemplo)

Um estudo qualitativo recente, com pacientes noruegueses que passaram pela cirurgia há pelo menos cinco anos, avaliou o significado do procedimento em suas vidas, focando nas transformações de peso, nas relações sociais e nas experiências corporais vivenciadas por eles. Alguns achados são bastante interessantes:

- os pacientes lidavam com o corpo de uma forma ambivalente: ao mesmo tempo que reconheciam todos os benefícios conquistados, percebiam que parte do desconforto com o corpo ainda persistia, apesar do emagrecimento (leia este post que trata sobre isso);
- o conforto de ter uma saciedade precoce, que promoveu aos pacientes uma maior sensação de controle, por vezes dava espaço à uma sensação de perda e vazio: o desejo pela comida e por sentir um pouco mais do sabor, mesmo sabendo não ser possível, impedia uma completa satisfação ao comer;
- a cirurgia foi encarada como “uma segunda chance para viver”, mas o “fantasma” do reganho de peso continuava pairando sobre os entrevistados, que relatavam uma dificuldade cada vez maior em manter o controle dos hábitos alimentares (a fome aumentou com o passar dos anos, as vontades começaram a surgir, e muitos não sabiam com encarar isto);
- alguns pacientes apresentaram após a cirurgia doenças crônicas como câncer e distúrbios cardiovasculares, e sentiram-se assustados pois foram forçados a encarar as limitações de um corpo magro, porém não invencível;
- alguns pacientes, que quando obesos se sentiam invisíveis e imperceptíveis, sentiram dificuldades em lidar com o novo grau de atenção alheia após a cirurgia, bem como com os comentários invasivos sobre sua alimentação e seus corpos.

Claro, o estudo foi realizado na Noruega, uma realidade bem diferente da nossa, e as transformações vivenciadas por cada pessoas são bem diferentes. Acompanho muitos pacientes que se beneficiaram imensamente da cirurgia. Entretanto, também sei que existem pacientes que passam pelas limitações e dificuldades descritas acima, e acho que aqueles que consideram passar pela cirurgia devem estar cientes disto. Nada na vida traz só coisas boas. Acredito que este estudo ilumina muitas questões a serem consideradas na avaliação, preparo e acompanhamento a longo prazo dos pacientes cirúrgicos.

Bom final de semana!

sábado, 2 de novembro de 2013

Como aceitar meu corpo se eu fico mais bonito/a mais magro/a?


Está é uma pergunta que costumo escutar bastante no consultório, quando tento trabalhar autoaceitação como forma de melhorar o autocuidado. Vamos refletir sobre como aceitar mais o corpo:

1. Desafie suas crenças: isto de fato é verdade?

As pessoas/mídia repetem tantas vezes que magreza = beleza que muitas vezes nós não desafiamos este “senso-comum”. Você de fato acredita que fica mais bonito/a mais magro/a? Ou será que seu olhar está tão viciado naquilo que você gostaria que seu corpo fosse (de forma a se encaixar no padrão do que é belo) que não consegue enxergar as belezas (mesmo que sutis) de seu próprio corpo?

A beleza depende do olhar de quem vê e, portanto, do seu julgamento sobre aquilo que vê. Aceitar seu corpo depende de uma atitude positiva que tem que partir de si próprio. Esteja aberto para buscar recursos que valorizem outros tipos de beleza, que valorizem a beleza presente na diversidade de corpos existentes:

- Busque fotos de modelos plus-size
- Veja os sites de movimentos como “The Body Positive” e “The Body Project
- Compre roupas novas que façam você se sentir bem; afinal, é impossível aceitar seu corpo com algo extremamente apertado te incomodando
- Conscientize-se sobre a manipulação das imagens divulgadas pela mídia: lembre-se que por trás das imagens existem maquiadores, cabeleireiros, luzes artificiais colocadas no lugar certo, Photoshop...

2. Pare de se vitimizar

Pare de acreditar que seu corpo é a única coisa “errada” em sua vida atualmente. Pense:

- no que você pode fazer hoje, independentemente de seu peso, para trazer mais sentido à sua existência
- em como buscar realização pessoal sem ser por meio do emagrecimento

Reveja suas vontades e sonhos e saia em busca deles agora. Você não precisa esperar o “corpo ideal” para começar a viver sua vida.

3. Acredite na importância da aceitação corporal para seu bem-estar (e, quem sabe, emagrecimento)

Gostar um pouco mais do seu corpo pode catalisar mudanças duradouras nos hábitos de saúde. Quem se gosta se cuida melhor, pois de fato se sente merecedor de cuidado. Não conheço nenhum estudo que diga que quem se odeia emagrece mais ou tem uma saúde melhor. Mas conheço estudos que dizem o contrário.

Bom final de semana a todos!