terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“Se liberar, o paciente vai comer mais”


Hoje resolvi escrever sobre um dos maiores mitos da Nutrição moderna, ou melhor, um dos maiores mitos envolvendo a relação terapêutica entre o nutricionista e o paciente.

Já cansei de ouvir de colegas de profissão e de outros profissionais de saúde as seguintes frases:

“Ok, aceito que se pode comer de tudo um pouco... Mas (insira seu alimento aqui) acho melhor você não liberar pra tal paciente, se não ele vai comer demais.”

“Tem coisa que o nutricionista não pode permitir mesmo... Se sendo proibido o paciente já come muito, que dirá se estiver liberado!”

Na minha opinião, tem muita coisa errada nesse discurso.

Em primeiro lugar, um questionamento ético: quem sou eu para “permitir” ou “proibir” qualquer coisa? Quem sou eu para atribuir um julgamento moral à comida? Quem sou eu para ferir o princípio da autonomia do paciente, segundo o qual o indivíduo capacitado de deliberar sobre sua escolha deve ser tratado com respeito pela sua capacidade de decisão; segundo o qual as pessoas têm direito soberano de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida?

Em segundo lugar, uma postura pessoal: eu não quero ter esse “poder”, essa responsabilidade perante aos meus pacientes, de decidir o que eles devem ou não comer. Eu quero ser responsável sim por auxiliá-los a adotarem uma postura mais positiva e saudável ao se alimentarem; eu me comprometo a educá-los e ajudá-los a se relacionarem melhor com a comida; mas não tenho pretensão e desejo alguns de me tornar um “policial da comida” (termo que eu e meus colegas do Genta gostamos muito de usar, e que tomamos emprestado do livro Intuitive Eating).

Em terceiro lugar, e mais importante: quem disse que a proibição alimentar faz com que as pessoas comam menos?

As referências científicas existentes e a minha prática clínica já me comprovaram que a relação é a inversa: quanto mais a comida for proibida, mais o indivíduo vai comer! Restrição leva à compulsão!

Pode reparar: você, que já fez mil dietas ou restrições alimentares, conseguiu de fato não comer um alimento que tinha vontade simplesmente porque havia se proibido de comê-lo? Ou pior: porque alguém havia proibido?

Sei que a liberdade alimentar parece assustadora de início, e entendo que internalizá-la é um processo. Inclusive já escrevi sobre isso aqui no blog (veja aqui). Mas eu não acredito na educação para uma alimentação mais saudável que não envolva a permissão incondicional para se comer.


Boa semana a todos!

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Comer ou não comer? Eis a questão...

"Overthinking” é um termo em inglês que poderia ser traduzido por “pensar demais”.  Ao mesmo tempo em que hoje vivemos em um contexto de automatismo alimentar, isto é, estamos cada vez mais comendo de forma acelerada, automática e desconectada com nossos sinais internos (de fome e saciedade, por exemplo), vivemos também num ambiente de moralização da comida, em que muitas das nossas decisões alimentares são pensadas e repensadas inúmeras vezes quando estamos diante da comida: comer ou não comer, o que escolher, o que é “saudável”, o que eu "posso", e por aí vai...

De repente, estamos imersos em um redemoinho mental de incertezas, informações contraditórias, autocrítica e julgamento. Queremos basear nossas escolhas e decisões alimentares no quanto somos “merecedores”: “como sou magro, posso comer isso”, ou então “porque sou gordo, não devo comer aquilo”.



A questão é que, quase sempre, quando nos engajamos no “overthinking alimentar”, perdemos a conexão com nosso corpo, com o aqui e agora. Viajamos em nosso próprio pensamento, criamos suposições e reforçamos crenças alimentares inadequadas ("se eu comer esse brigadeiro, certeza que vou engordar"). Nossa relação com a comida começa a ficar cada vez mais complicada e negativa. Pode surgir também uma sensação de angústia e ansiedade. E quando nos damos conta, já comemos o alimento que era alvo da nossa escrutinação. E nem sequer sentimos o gosto...

Proponho nesse primeiro post do ano que tentemos não pensar demais nas nossas decisões alimentares, que não nos deixemos levar pelo nosso redemoinho mental de críticas e julgamentos. Que possamos sentir mais e nos reconectar com os sinais internos do nosso corpo, para que dessa forma tenhamos uma melhor relação com a comida e não precisemos pensar no que e quanto comer de forma obsessiva. Quando nos livramos da culpa e do julgamento, e das crenças sobre “dever ou não comer”, abrimos espaço para tentar entender se estamos ou não com fome, ou se é apenas uma vontade; podemos investigar com curiosidade em que momento a vontade surgiu, e se ela precisa ou não ser satisfeita naquele momento. Podemos estar em paz com a comida.



Boa semana a todos!