sábado, 27 de outubro de 2012

A guerra contra as fast foods. Reloaded.


Fast food é lixo. Tem um monte de ingredientes estranhos, é cheia de calorias, açúcar e sal e normalmente faz você se sentir mal”. Esse manifesto, bem como a imagem acima (“Coma fast food e morra cedo”), fazem parte de um campanha americana que tem sido amplamente divulgada lá fora chamada Stick It to Fast Food, cujo “simpático” logo é um garfo simbolizando uma mão mostrando o dedo do meio. Já ganhou pontos negativos na minha avaliação só pela grosseria e pelo mau gosto. Como muitos bem sabem, a logomarca representa a essência da mensagem que se quer transmitir com o produto/campanha em questão, e não gosto de nada que vulgariza e negativiza a comida. Mesmo se for uma fast food.

Alguns pontos em defesa da campanha: sim, devemos reduzir o consumo das chamadas comidas rápidas, pois em sua grande maioria elas têm quantidades consideravelmente altas de gorduras, açúcar e sal, que em excesso prejudicam a saúde; sim, devemos prestar mais atenção àquilo que estamos comendo, saber um pouco mais sobre a composição dos alimentos e perceber como de fato nos sentimos quando comemos (não sei vocês, mas eu realmente me sinto um pouco estufada e incomodada fisicamente quando como um Big Mac); sim, devemos nos esforçar para aprender a cozinhar algumas comidas deliciosas e que sejam feitas com ingredientes naturais.

Mas não, não podemos contribuir com a categorização da comida em “saudável” e “não saudável”, pois o que determina uma alimentação saudável é a frequência de consumo dos alimentos, a circunstância, a quantidade e o estilo de vida de cada pessoa. Não podemos contribuir ainda mais com a estigmatização da comida, porque sabemos que isso faz com que as pessoas desenvolvam uma relação ainda mais conturbada com a alimentação. Não podemos assumir que é possível excluir completamente as fast foods do tipo de vida que levamos hoje, pois isso é praticamente impossível e geraria ansiedade e culpa em quem escolhesse comer um Big Mac no final de semana porque sentiu vontade.

Por isso, pode pensar duas vezes antes de comer um Big Mac, se quiser. Mas não morra de culpa se por um acaso decidir comê-lo.

sábado, 20 de outubro de 2012

Que vergonha, Marisa.

Ontem assisti ao vídeo da nova campanha das lojas Marisa, que está sendo transmitido na televisão e que pode ser visto aqui. Foram os 30 segundos mais arrepiantes dos últimos tempos.

O vídeo mostra uma mulher agradecendo “às baby cenouras, às sopas ralas e à chia” por ter conquistado o “corpo do verão”. Mostra ainda cupcakes com caras tristonhas, já que aparentemente a moça deixou de comê-los. Ao final, ela aparece desfilando na beira de uma piscina ensolarada (afinal, só as “magras” podem se dar ao luxo de fazer isso!) e ao fundo belos moços a estão admirando. O final é feliz: ela tem um corpo novo, um biquini novo e novos admiradores.

Como mulher e nutricionista, eu me incomodei. Esse comercial é uma afronta ao árduo trabalho feito por profissionais que lidam diariamente com transtornos alimentares, que são as doenças psiquiátricas que mais matam. É uma afronta a todas as pessoas (homens e mulheres) que já sofrem na pele a angústia de viver num mundo obcecado por magreza e onde as opções alimentares estão cada vez mais amplas, por sinal.

São inúmeros os estudos que mostram que a exposição a este tipo de mídia contribui com a internalização do ideal de magreza, aumento da insatisfação corporal e desenvolvimento de atitudes alimentares transtornadas, ou mesmo transtornos alimentares propriamente ditos.

Digo mais: é um vídeo perigoso, pois transmite a falsa ideia de que para emagrecer o indivíduo precisa se limitar a cenouras, chia, sopas... E que numa alimentação saudável não cabe um delicioso cupcake.

Faço um apelo para que assinem esta petição online para que a veiculação dessa peça de mídia seja descontinuada. E pra finalizar: além de irresponsáveis, os criadores dessa campanha estão fazendo um desfavor à marca. Ou eles acham que aquela garota gordinha vai se sentir bem o suficiente para comprar um biquíni deles?

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Qual o real papel de um nutricionista numa equipe de cirurgia bariátrica?

Aproveitando a notícia de que em breve o SUS passará a cobrir cirurgias bariátricas para adolescentes a partir de 16 anos (o que na minha opinião é um grande equívoco, mas isso é assunto para um outro post!), decidi escrever hoje sobre qual o real papel de um nutricionista numa equipe de cirurgia bariátrica.

Muita gente (inclusive cirurgiões e pacientes candidatos ao procedimento) enxerga o nutricionista somente como o profissional que vai fazer uma avaliação pré-cirúrgica para entregar um laudo, necessário muitas vezes para que os convênios aprovem a cirurgia. Quando muito, entende-se que o nutricionista é necessário nos primeiros meses, para orientar o que se pode ou não comer para “não passar mal”. Depois disso, vai-se emagrecer mesmo por conta do procedimento, então esse profissional aparentemente não será mais necessário.

Certo? Errado.

Eu sempre digo aos meus pacientes bariátricos que não sou uma “emagrecedora”. Esse não é o título da minha profissão e não é isso que conduz minha linha de trabalho. Qual é então a real função do nutricionista no acompanhamento pré e pós-operatório da cirurgia bariátrica?

1. Conhecer a história de ganho de peso do indivíduo: no Consenso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, coloca-se que o candidato à cirurgia deve ter feito pelo menos algum tratamento clínico prévio para obesidade, sem obter sucesso. Muitos pacientes que são avaliados (pelo menos na minha experiência) nem sequer fizeram acompanhamento com nutricionista antes, ou seja, nunca passaram por um processo de educação alimentar/mudança de comportamentos e hábitos. O que todos já tentaram foram medicamentos e dietas, e sabe-se que estas estão intimamente relacionadas a um maior ganho de peso a longo prazo. Ou seja: é essencial explicar aos pacientes os malefícios e as armadilhas das dietas e o processo de mudança de hábitos pelo qual ele terá que passar para garantir o sucesso da cirurgia.

2. Questionar e entender as motivações do paciente para fazer a cirurgia e avaliar suas expectativas de perda de peso: estudos recentes (veja aqui e aqui) verificaram expectativas muito irreais de perda de peso nos candidatos à cirurgia, o que pode aumentar a chance do paciente adotar comportamentos inadequados para continuar perdendo de peso após o procedimento e dificultar a adesão ao acompanhamento nutricional.

3. Avaliar a presença/desenvolvimento de atitudes alimentares inadequadas e transtornos alimentares: pacientes com compulsão alimentar ou transtorno da compulsão alimentar periódica previamente à cirurgia podem apresentar menor perda de peso a médio e longo prazo, maior psicopatologia e menor qualidade de vida. Além disso, apresentam maior risco de desenvolver compulsões alimentares “subjetivas”, como o grazing, que seriam beliscadas frequentes com sensação de perda de controle. Alguns pacientes, ainda, acabam desenvolvendo distúrbios de imagem corporal e atitudes alimentares inadequadas após à cirurgia, como medo intenso de voltar a comer normalmente, vômitos auto-induzidos para aumentar a perda de peso, sensação de culpa ao comer determinados alimentos e insatisfação corporal persistente apesar do emagrecimento. O nutricionista é capaz de trabalhar essas questões – juntamente com os outros profissionais da equipe – para evitar que culminem no desenvolvimento de um transtorno alimentar propriamente dito.

E isso é só o começo.

Feliz dia das crianças a todos!