domingo, 29 de janeiro de 2017

O propósito da autocrítica


Estou participando de um treinamento online de dez semanas do programa Mindful Self-Compassion, cujo objetivo é ajudar-nos a entender melhor o que é autocompaixão e a cultivar essa habilidade de nos voltarmos à nossa própria dor de forma gentil e compreensiva.

Esses momentos semanais de aprendizado e prática que o curso me proporciona têm sido profundamente prazerosos e reflexivos. O post de hoje é justamente uma dessas reflexões, sobre autocrítica e mudança de comportamentos.

Nosso cérebro é programado para defender nossa sobrevivência e garantir nossa felicidade. Justamente porque sobreviver vem em primeiro lugar, temos o que os cientistas chamam de “viés negativo”, da qual nossa autocrítica faz parte. O viés negativo é a tendência de percebermos e nos focarmos com maior intensidade nos eventos negativos ao longo de nossa vida. Como diz o pesquisador Rick Hanson, autor do livro O cérebro de Buda, “o cérebro é como velcro para experiências negativas e como teflon para experiências positivas”. Essa é uma habilidade que foi evolutivamente muito importante. Afinal, se na época das cavernas nós estivéssemos mais atentos às belas flores da floresta do que ao leão escondido atrás delas, não teríamos sobrevivido! 

O fato é que hoje as ameaças reais são menos frequentes que antigamente, mas parece que nossa autocrítica e nosso julgamento estão mais ativos do que nunca. E isso nos faz mal.

Durante muito tempo – ao longo da minha adolescência, principalmente – fui uma pessoa muito autocrítica, e isso me favoreceu em certos aspectos: sentia que estava “no controle”, sempre inspecionando todos os aspectos da minha vida em busca de algo que pudesse dar errado. Era uma voz que me alavancava em diversas conquistas pessoais, mas que custava caro: sentia-me sem paz, tensa, e isenta de um senso de espontaneidade. Além disso, ao longo dos anos, minha autocrítica enfraqueceu minha motivação para mudança e minha confiança de experimentar coisas novas, de me aventurar em novos terrenos. Afinal, quem tem coragem para mudar quando se sente julgado e diminuído?

Por isso acredito que autocrítica e “terrorismo nutricional” são grandes inimigos do processo de mudança de comportamento alimentar a médio e longo prazo. Com atenção plena (mindfulness) e autocompaixão, você se sente capaz de tornar-se a melhor versão de si mesmo, enquanto ao mesmo tempo consegue fazer as pazes com suas imperfeições e limitações.

Não precisa confiar no meu relato, pense em sua própria experiência com mudanças que tentou fazer. Quando funcionou melhor e você conseguiu manter a mudança por mais tempo: quando se tratou mau, quando a autocrítica estava mais ativa, ou quando se tratou com gentileza e compreensão? (e para você que ainda está em dúvida: sugiro que leia o livro Beyond addicition: how science and kindnesshelp people change e que busque as pesquisas mais recentes sobre mudança de comportamento e autocompaixão).

Boa semana a todos!

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Felicidade hoje



Lendo o livro “Waking Up: A Guide to Spirituality Without Religion”, do Sam Harris (em português, o título é “Despertar: um guia para a espiritualidade sem religião”), me chamou a atenção uma passagem em que ele coloca o seguinte: todos os nossos objetivos e metas têm por trás a promessa de que, se forem alcançados, finalmente teremos a oportunidade de relaxar e viver nossa vida no presente. Ou seja, só então teremos as condições ideais para nos tornarmos mais felizes. Como o autor mesmo coloca, estamos buscando razões e meios no futuro para tornarmos o agora mais tolerável.

Essa realidade é comum no caso de pessoas que estão descontentes com seus corpos e buscam de forma constante formas de transformá-los: por meio de exercício e/ou dieta. Não estou dizendo que há algo de errado nisso, mas quando enxergamos que não seremos plenamente felizes a não ser que essa transformação corporal aconteça, talvez esteja na hora de repensar. 

Muitas vezes, a promessa do emagrecimento traz mais alegria do que o emagrecimento de fato. Tenho pacientes que emagreceram bastante e que acabaram constatando que nada de concreto havia mudado em suas vidas: o emprego era o mesmo, ele ainda estava solteiro e os pais continuavam chatos.

E se pudéssemos encontrar razões no agora para sermos felizes? E se essas razões contemplassem até mesmo a “imperfeição” do nosso corpo? E se percebêssemos que a verdadeira promessa de felicidade está na nossa transformação interior, e não exterior?

Boa semana a todos!