quarta-feira, 17 de junho de 2015

O viés negativo

Hoje acordei com aquela sensação de querer ficar mais na cama. Achando que era só a preguiça falando, levantei, pus a roupa de ginástica e fui para a academia. Minha cabeça a mil, já pensando nas várias coisas que tenho para fazer hoje, não me concentrei nos exercícios que tanto gosto e na minha caminhada na esteira, que é quando assisto meus seriados favoritos. Sensação de não ter aproveitado bem aquele momento de cuidar de mim, e também não consegui aiviar a sensação de cabeça cheia. 

Voltando pra casa, quase tropeço numa pedra e um poodle, aparentemente fofinho, se aproxima de mim com sua dona. Eu sorrio pra ele, mas ele late alto e quase me avança. Um poodle! Daí, aquele pensamento inevitável que quase todo mundo já teve uma vez na vida: “hoje eu deveria ter escutado minha intuição e ter ficado na cama! Tem dias que a gente não deve nem acordar!”.

Foi daí que, graças à minha prática de meditação de atenção plena (mindfulness), consegui perceber o movimento que estava acontecendo dentro de mim. Percebi a onda de negatividade tomando conta... Então, respirei fundo, acolhi o ensinamento sobre a intuição (realmente acredito que poderíamos ouvi-la mais vezes!) mas rejeitei o pensamento sobre não ter acordado. Despertar de manhã é uma dádiva. Agradeci por estar viva e com saúde.

Segundo muitos neurocientistas, dentre eles Rick Hanson, autor dos ótimos livros “Cérebro de Buda” (veja aqui) e “O cérebro e a felicidade” (veja aqui), todos nós temos um “viés negativo”, isto é, uma habilidade para registrarmos e nos apegarmos mais às coisas negativas que nos acontecem que às positivas. Essa tendência é algo evolutivo pois, ao focarmos no negativo, reforçam-se nossas habilidades de sobrevivência, mais do quando focamos nas coisas boas. Como o autor mesmo coloca, "o cérebro é como velcro para experiências ruins e como teflon para as boas - mesmo que a maior parte das experiências seja neutra ou positiva". 

Algo que ajuda muito a neutralizar nosso viés negativo e o cultivo da gratidão, que foi o que eu fiz na história que contei acima. Todos nós, todos os dias, temos algo de bom para agradecer, mesmo que sejam as coisas mais simples: ter saúde para enfrentar os problemas e desafios, um elogio de um colega, um olhar carinhoso de um familiar, uma ligação insperada de um amigo distante, uma surpresa agradável, uma refeição que conforta... Não se trata de ser piegas e “forçar” uma sensação de gratidão, mas sim de observar seu dia com cuidado, aceitar o que aconteceu e conseguir treinar o olhar para as coisas aparentemente irrelevantes que te ajudaram a chegar até  este momento. Com isso, novas conexões (sinapses) vão se formando em nosso cérebro, e o viés negativo vai perdendo sua força. Isso não é misticismo, a ciência comprova isso!

Um exercício bastante agradável para praticar a gratidão é fazer sua própria “jarra de gratidão”, que consiste em anotar situações pelas quais se é grato em um pedaço de papel e jogar dentro de um recipiente, vendo como ele vai se preenchendo aos poucos (veja uma explicação mais detalhada em inglês aqui). Esta é a minha jarra, que comecei a encher no início do ano!




Espero ao final do ano tê-la enchido completamente. Daí, vou sentar e reler todos os papeizinhos, agradecendo e me recordando com carinho de cada um daqueles momentos.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Cirurgia bariátrica e diabetes: não é tão simples assim...

Uma das justificativas para o número cada vez maior de cirurgias bariátricas na população com diabetes tipo 2 é a ideia de que o procedimento “curaria” a doença. Mas eu sempre ressalto em minhas aulas sobre diabetes que “o buraco é mais embaixo”.

Sim, muitos pacientes apresentam uma melhora drástica no controle glicêmico nos primeiros dois anos após a cirurgia; porém, o diabetes tipo 2 é uma doença crônica, portanto irreversível, e com diversos processos metabólicos envolvidos, havendo inclusive destruição de células beta (produtoras de insulina). Sendo assim, é bastante comum os pacientes, após esse período inicial de “lua de mel” da cirurgia, voltarem a apresentar descontroles glicêmicos (no jejum e pós-prandial, ou seja, após as refeições) e necessitarem novamente de medicação. Inclusive, um estudo de 2013 (veja aqui) mostrou que após seis anos de cirurgia a taxa de remissão total e parcial do diabetes foi de somente 24 e 26%, respectivamente, mesmo sem reganho significativo de peso. E pasmem: 16% dos pacientes não apresentaram mudança alguma em seu status de doença com o procedimento.

E foi publicado este mês na revista Lancet (séria e confiável revista científica) um estudo no qual 120 pacientes com diabetes tipo 2 foram acompanhados por dois anos: metade fez cirurgia e metade passou por tratamento convencional para a doença. A ocorrência de deficiências nutricionais, fraturas ósseas e infecções foi mais frequente nos indivíduos operados, reforçando ainda mais a necessidade de acompanhamento aos indivíduos com diabetes que optam pela cirurgia (veja estudo aqui).

Então, digo com bastante segurança: não existe ainda cura para o diabetes tipo 2, e o cuidado deve ser constante. Mesmo - ou melhor, especialmente - com a cirurgia bariátrica.