quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Compaixão e o ato de comer


 
Em meu contínuo estudo e prática de mindfulness (atenção plena), tenho entrado cada vez mais em contato com textos e pensamentos do budismo, tradição filosófica que alavancou a ocidentalização da prática de meditação . Um deles, que li no livro Savor: Mindful Eating, Mindful Life(escrito pelo mestre budista Thich Nhat Hahn e a nutricionista americana Lilian Cheung) é o sutra “A carne do filho”. O texto está abaixo:
Um casal e o seu filho mais novo estavam cruzando um vasto deserto a caminho de buscarem asilo em outra região. Mas eles não tinham planejado bem e, no meio do deserto, estavam somente na metade do caminho quando ficaram sem comida. Percebendo que todos os três iriam morrer no deserto, os pais tomaram uma decisão horripilante: matar e comer o próprio filho. Toda manhã eles comiam um pedacinho da carne do filho, o suficiente para ter energia de caminhar um pouco mais adiante, o tempo todo chorando: “onde está o nosso garotinho?” Eles carregavam o restante da carne do filho nos ombros, para que continuasse secando ao sol. Toda noite o casal olhava um para o outro e perguntava: “onde o nosso amado filho está agora?” E choravam, puxavam os cabelos e, consternados, batiam no peito. Finalmente, eles foram capazes de cruzar o deserto e chegar à nova terra. Quando Buda terminou de contar esta história, perguntou aos monges: “vocês acham que este casal gostou de comer a carne do filho deles?” “Não”, responderam os monges. “Esses pais sofreram terrivelmente quando tiveram que ingerir a carne do filho.” Então Buda disse: “Nós temos que comer de tal maneira que possibilite o cultivo da compaixão em nossos corações. Temos que comer em estado de atenção plena; se não, comeremos a carne de nossos próprios filhos.”
A interpretação budista dessa passagem é de que devemos pensar na interconectividade entre todos os seres vivos e buscar a sustentabilidade quando comemos, isto é, lembrar que a comida tem caráter sagrado pois uma série de coisas tiveram que acontecer para que ela chegasse até nós (“um grão de arroz contém todo o universo”, já diria o autor do livro acima). Muitos budistas são vegetarianos, pois acreditam que dessa forma estão sendo mais compassivos.
Usando o texto como inspiração para o post de hoje, gostaria de propor uma reflexão, levando em conta os princípios do Comer com Atenção Plena (Mindful Eating) e minha prática clínica com aqueles que têm uma relação complicada com a comida: você está sendo compassivo quando come? Ter compaixão é identificar o sofrimento que existe e lidar com ele de forma acolhedora, e não com julgamento e autocrítica. Você tem reconhecido suas dificuldades com a comida e com o corpo e tentado lidar com elas de forma mais gentil? Você tem estado atento para a maneira como seu corpo se sente quando comer determinados alimentos, ou tem usado a comida para se machucar (“já estou tão gordo/a mesmo que não fará diferença comer mais um bombom”) ou mesmo se confortar?
Tenha em mente que a compaixão – por si próprio, inclusive – é um dos atributos essenciais para que mudanças ocorram.
Boa semana a todos!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O poder das palavras



Esses dias li uma reportagem de uma especialista em ioga e meditação que falava sobre o poder das nossas palavras. Tudo aquilo que pensamos e sentimos e que transformamos em palavras carrega em si uma energia, capaz de influenciar nosso mundo físico. Não há nada de “transcendental” nisso: basta pensar no arrepio que sentimos quando ouvimos uma música muito bonita. Um professor de canto me disse uma vez que só nos arrepiamos porque o intérprete conseguiu por meio de sua emoção e interpretação acoplar uma energia poderosa ao som que saiu de sua boca, e isso por sua vez é capaz de alterar nossas reações corporais.
Da mesma forma, quando nos engajamos em conversas negativas, reclamamos, criticamos de forma gratuita e não construtiva estamos contribuindo com a geração de mais caos e infelicidade. Reforçamos a energia destrutiva que nossas palavras podem carregar. Elas são tão poderosas que hoje existem cursos e livros sérios de comunicação não violenta, que visam nos ensinar a não perpetuar inconscientemente esse tipo de violência cotidiana.
Por isso, uma das minhas metas esse ano será tentar me abster de comentários desnecessários, negativos e não construtivos. Para isso, é preciso estar presente momento a momento, avaliando aquilo que pensamos e sentimos e tentando conter a impulsividade de falar imediatamente o que vier a mente. É preciso tomar consciência, exercitando nossa atenção plena. Afinal, o que já está dito não pode ser retirado.
Proponho então um exercício aos leitores desse blog: vamos tentar nos abster das falas negativas a respeito do próprio corpo e do corpo alheio? Vamos parar de bombardear o universo com a energia destrutiva dos nossos julgamentos? Comentários como “essa roupa fica ridícula para quem tem uma barriga como a minha” ou “como ele tem coragem de usar isso com esse tamanho?” ou “nossa, ela é uma tábua, homem não gosta de mulher assim” não levam a lugar algum, aumentam a importância que damos à forma do nosso corpo e contribuem ainda mais com o estigma corporal já existente.
Vamos alimentar nossas palavras com uma energia do bem?
Boa semana a todos!