quarta-feira, 25 de abril de 2012

E as crianças não cansam de nos inspirar!



Nos Estados Unidos, Marshall Reid, um garoto de 12 anos, obeso, em cuja casa o status quo era comer com frequência alimentos industrializados como pizza, hambúrgueres e nuggets, tomou uma decisão bastante corajosa ao ser chamado de gordo por um amigo da escola: resolveu descobrir o prazer de uma alimentação mais saudável por meio da culinária!


Como se não bastasse a tarefa difícil que viria pela frente, ele teve que enfrentar um ambiente familiar "hostil": sua mãe não gostava de cozinhar; seu pai estava em missão militar no Iraque; e sua irmã mais velha adorava junk food. No fim, sua motivação acabou promovendo mudanças de hábitos em todos de sua família.


A inciativa do garoto (que já virou um livro) mostra uma das maiores dificuldades de um bom trabalho de reeducação alimentar, especialmente com crianças: ele requer esforço conjunto entre os membros de uma família, o que se torna complicado já que cada um tem um estilo de vida e um relacionamento distinto com a comida.


Um ótimo exemplo de como podemos aprender - e muito! - com as crianças.*


* Gostaria de dedicar esse post à minha amiga nutricionista/gastrônoma Maria Luiza Petty, que faz um ótimo trabalho nutricional com crianças por meio da culinária!!!


Observação: a reportagem completa do "The New York Times" que inspirou esse post pode ser lida aqui

domingo, 15 de abril de 2012

Lipoaspiração abdominal não melhora resistência à insulina e fatores de risco cardiovascular em mulheres obesas

Hoje li um estudo de 2004 muito bem conduzido, que merece ser comentado: “Absence of an effect of liposuction on insulin action and risk factors for coronary heart disease” (o link está na lista aqui do blog de artigos interessantes).

O estudo avaliou o efeito da lipoaspiração abdominal de alto volume na melhora de fatores de risco cardiovascular (circunferência abdominal, pressão arterial, concentração de lipídios no plasma e marcadores sorológicos de inflamação) e na melhora da sensibilidade à insulina de mulheres obesas que apresentavam resistência à ação desse hormônio.

Simplificando: os pesquisadores submeteram 15 mulheres obesas à lipoaspiração abdominal, retirando da região um total de 10kg de gordura subcutânea (aproximadamente 20% do total de gordura corporal total), e avaliaram os fatores de risco cardiovascular e a presença de resistência à insulina antes do procedimento e depois de 12 semanas. Detalhe: a resistência à insulina foi avaliada com a técnica do clamp euglicêmico e hiperinsulinêmico, que é considerada “padrão-ouro” para esse tipo de avaliação (ou seja, fornece a mais pura e reprodutível informação sobre a ação da insulina nos diferentes tecidos).

Os resultados após 12 semanas indicaram que não houve alterações significativas na sensibilidade à insulina no fígado, músculo e tecido adiposo e em alguns fatores de risco cardiovascular (níveis sanguíneos de lipídios, proteína C-reativa, interleucina-6, fator de necrose tumoral α e adiponectina; e valor de pressão arterial). Isto é: apesar da lipoaspiração ter promovido redução de peso e de circunferência abdominal, não houve mudanças significativas no risco cardiovascular e na resistência à insulina das participantes do estudo.

Muitos profissionais de saúde podem argumentar: “oras, mas a gordura que foi retirada com a lipoaspiração é a gordura abdominal subcutânea, e não a visceral, que é considerada mais prejudicial”. Entretanto, há um contra-argumento: tanto a gordura abdominal subcutânea quanto a abdominal visceral estão associadas à resistência à insulina, como demonstram os seguintes estudos: “Subcutaneous rather than visceral adipose tissue is associated with adiponectin levels and insulin resistance in young men”, revista “Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism”, 2009; “Abdominal subcutaneous and visceral adipose tissue and insulin resistance in the Framingham heart study”, revista “Obesity”, 2010 (links: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19755479 e http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20339361). Ou seja, era de se esperar que a retirada da gordura subcutânea por meio do procedimento cirúrgico traria benefícios (mesmo que mínimos) nos parâmetros de resistência à insulina, certo?!

Este estudo gera argumentos favoráveis à idéia de que não é o emagrecimento per seque gera benefícios metabólicos, e sim as mudanças no estilo de vida que normalmente acompanham um emagrecimento saudável (melhores hábitos alimentares, prática de atividade física). Os estudos recentes vêm mostrando cada vez mais que uma mudança de foco é necessária: indicadores de saúde podem ser melhorados por meio de mudanças no estilo de vida, independentemente da perda de peso.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Mais uma das companhias aéreas...



E lá se foi minha cota de humor matinal nesta segunda-feira. Acabei de ler no site da UOL a seguinte manchete: "Para poupar combustível, companhia aérea incentiva comissários de bordo a perder peso".

A fim de se tornar uma empresa mais "verde" (ou mais negra, na minha opinião), a companhia aérea européia Ryanair está adotando uma série de medidas para economizar no uso de combustível, dentre elas o incentivo para que as aeromoças percam peso.
O "prêmio" seria uma sessão de fotos sensuais para o calendário anual da empresa.

Imagino qual será o "prêmio" para as funcionárias que não quiserem/não conseguirem perder peso...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

American Airlines e os estereótipos americanos

Os americanos são de fato os reis da criatividade. São tão criativos que às vezes inventam idéias que mais parecem piadas de mau gosto.

A companhia aérea American Airlines, em pareceria com o “Physicians Committee for Responsible Medicine” (traduzindo livremente: “Comitê Médico pela Medicina Responsável”), criou a seguinte estratégia de marketing: quer voar de forma mais confortável? Pague dez dólares a mais e sente-se ao lado de um vegano (pra quem não sabe, vegano é o indivíduo que segue uma dieta vegetariana restrita, sem nenhum tipo de produto de origem animal, nem mesmo mel).

O comercial, divulgado no Youtube (http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=sIzngoAUoNM), mostra uma pessoa que pagou a taxa extra e sentou-se ao lado de uma bela loira, enquanto que outro indivíduo que não pagou sentou-se ao lado de um obeso. Como se de fato ser vegano significasse necessariamente ser magro (ou loiro, ou bonito...), e ser onívoro (quem come carne) significasse ser obeso.

Valeu pelos estereótipos, hein, American Airlines! E esse tal de “Comitê pela Medicina Responsável”, na minha opinião, de responsável não tem nada. Está contribuindo ainda mais para aumentar o estigma da obesidade em nossa sociedade, o que está intimamente relacionado a problemas alimentares e psicossociais nos obesos.

Alguém mais entende que é papel das companhias aéreas aumentarem o conforto dos clientes? São as poltronas que devem aumentar, e não as pessoas que devem diminuir!

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Dieta não é reeducação alimentar!

Hoje vou falar sobre um tema que me deixa muito intrigada na minha prática profissional: o fato de muitos pacientes acreditarem que “dieta” é sinônimo de “reeducação alimentar”.

Dieta é assumir que existem alimentos saudáveis e não saudáveis. Dieta é supervalorizar um alimento qualquer só porque ele “está na moda” ou está sendo mais falado pela mídia. Dieta é assumir que determinados alimentos são “milagrosos” ou têm “super poderes”. Dieta é achar que “doce engorda”, não importando a circunstância e a quantidade. Dieta é assumir que as nossas escolhas alimentares são puramente racionais, fruto somente do nosso conhecimento nutricional e do auto-controle que temos sobre nós próprios. Dieta é se convencer de que o valor nutricional dos alimentos é mais importante do que as vontades individuais e nossos gostos alimentares. Dieta é sentir culpa ao comer algo que alguém determinou que eu não deveria comer. Dieta é desrespeitar os sinais de fome, apetite e saciedade que o corpo envia. Dieta é desvalorizar o papel que o prazer em comer tem na promoção da saúde holísitca (física e mental) de um indivíduo. O conceito de dieta é efêmero, muda a cada estação. Dieta é desrespeitar sua individualidade e seu corpo.

Reeducação alimentar é assumir que não existem categorias distintas de alimentos, saudáveis e não saudáveis, mas entender que o que existe de fato é alimentação saudável. Reeducação alimentar é entender o papel biopsicossocial do alimento em nossa vida. Reeducação alimentar é saber que o que de fato engorda são exageros frequentes, que muitas vezes surgem porque restringimos nossa alimentação e não nos permitimos de fato comer o que gostamos e o que queremos. Reeducação alimentar é entender e respeitar os sinais nobres de fome, apetite e saciedade que o corpo manda. Reeducação alimentar é saber de fato quando estou com vontade de comer um doce ou quando quero comer o doce para obter um conforto emocional (e saber que posso fazer isso se quiser!). Reeducação alimentar é redescobrir o prazer em comer, não importando se é bolo de chocolate ou brócolis ao vapor. Reeducação alimentar requer esforço e auto-conhecimento. Reeducação alimentar é uma série de comportamentos e práticas que adquirimos para a vida toda.

Entenderam?!

Gosto muito de um texto da nutricionista americana Ellyn Satter, que define de forma ampla e bela o que uma alimentação saudável:

“Alimentar-se normalmente é ser capaz de comer quando você está com fome e continuar comendo até você ficar satisfeito. É ser capaz de escolher os alimentos que você gosta e comê-los até aproveitá-los suficientemente – e não simplesmente parar porque você acha que deveria. Alimentar-se normalmente é ser capaz de usar alguma restrição na seleção de alimentos para consumir os alimentos certos, mas sem ser tão restritivo a ponto de não comer os alimentos prazerosos. Alimentar-se normalmente é dar permissão a você mesma para comer às vezes porque você está feliz, triste ou chateado ou apenas porque é tão gostoso. É também deixar alguns biscoitos no prato porque você pode comer mais amanhã ou então comer mais agora porque eles têm um sabor maravilhoso quando estão frescos. Alimentar-se normalmente é comer em excesso às vezes e depois se sentir estufado e desconfortável. Também é comer a menos de vezes em quando, desejando ter comido mais. Alimentar-se normalmente é confiar que seu corpo conseguirá corrigir os errinhos da sua alimentação. Alimentar-se normalmente requer um pouco do seu tempo e atenção, mas também ocupa o lugar de apenas uma área importante, entre tantas, de sua vida. Resumindo, o “comer normalmente” é flexível e varia em resposta às nossas emoções, nossa agenda, nossa fome e nossa proximidade com o alimento.” (Satter, 1987)

Uma boa e prazerosa Páscoa a todos!