Recentemente estava
discutindo com uma paciente obesa um conto do Irvin Yalom, psiquiatra e
psicoterapeuta americano que gosto muito. No texto em questão, “A mulher gorda”
(está no livro “O carrasco do amor”), o terapeuta conta a ocasião em que
atendeu uma paciente obesa que acreditava que uma série de coisas davam errado
em sua vida graças à sua gordura. Conforme ela vai emagrecendo, porém, percebe que o buraco é bem mais embaixo...
Gosto de indicar esse texto para alguns pacientes pois
mostra o processo do emagrecimento, que por vezes é bem doloroso e expõe
questões profundas da vida do indivíduo (que estavam ocultas pela gordura e pela
idealização da perda de peso). Entretanto, sempre alerto os pacientes que no início
do texto o autor demonstra seu preconceito contra obesos:
“Sempre me senti repelido por mulheres gordas. Eu as acho
repulsivas: o absurdo andar bamboleante, a ausência de contornos corporais –
seios, colo, nádegas, ombros, maxilar, ossos do rosto –, tudo, tudo aquilo que
gosto de ver numa mulher oculto por uma avalanche de carne. Como elas ousam
impor seus corpos a todos nós?”
Após lermos juntas esse texto, minha paciente começou a
chorar e verbalizou o seguinte: “Sabe, Carol... Eu concordo com ele. Por isso não aguento mais viver no meu próprio corpo.”
Na minha prática, percebo que os próprios pacientes obesos
podem ser extremamente preconceituosos e rígidos consigo mesmo. Muitos têm medo
de abandonar a “gordofobia” e aceitar um pouco mais seus corpos, pelo receio de
que isso signifique, então, abandonar o desejo de ser magro.
Pegando emprestado o título de um famoso livro, digo a esses
pacientes que a vida tem “80 tons de cinza”, isto é, a vida não se resume ao
preto e branco. A dicotomia, ou seja, o pensamento “8 ou 80”, provavelmente contribuiu com
seu ganho de peso e uma relação complicada com a comida. Não é porque
me considero feminista, por exemplo, que não sei apreciar quando um homem abre
a porta do carro pra mim ou paga um jantar. Feminismo não exclui gentileza.
(Aliás, para quem quiser ler um ótimo livro sobre o feminismo moderno, indico “Como
ser mulher”, da britânica Caitlin Moran; veja aqui)
Aceitação corporal não significa necessariamente amar 100% do seu corpo e se ver livre do desejo por mudanças. Significa respeitá-lo um pouco
mais para que mudanças duradouras possam acontecer. Significa ter compaixão e
aceitar que somos seres imperfeitos. E que tudo bem ser assim.
Você não precisa desistir do seu desejo de emagrecer se assim o desejar. Só não
coloque sua vida em stand by até que isso aconteça.
Bom final de semana a todos!
Tão sensata, tão admirável!
ResponderExcluirObrigada pela belíssima reflexão.
Somo seres em formação...
em evolução...
isso é perfeição!