sábado, 11 de outubro de 2014

A vida agridoce



Recentemente estava discutindo com uma paciente obesa um conto do Irvin Yalom, psiquiatra e psicoterapeuta americano que gosto muito. No texto em questão, “A mulher gorda” (está no livro “O carrasco do amor”), o terapeuta conta a ocasião em que atendeu uma paciente obesa que acreditava que uma série de coisas davam errado em sua vida graças à sua gordura. Conforme ela vai emagrecendo, porém, percebe que o buraco é bem mais embaixo...

Gosto de indicar esse texto para alguns pacientes pois mostra o processo do emagrecimento, que por vezes é bem doloroso e expõe questões profundas da vida do indivíduo (que estavam ocultas pela gordura e pela idealização da perda de peso). Entretanto, sempre alerto os pacientes que no início do texto o autor demonstra seu preconceito contra obesos:

“Sempre me senti repelido por mulheres gordas. Eu as acho repulsivas: o absurdo andar bamboleante, a ausência de contornos corporais – seios, colo, nádegas, ombros, maxilar, ossos do rosto –, tudo, tudo aquilo que gosto de ver numa mulher oculto por uma avalanche de carne. Como elas ousam impor seus corpos a todos nós?”

Após lermos juntas esse texto, minha paciente começou a chorar e verbalizou o seguinte: “Sabe, Carol... Eu concordo com ele. Por isso não aguento mais viver no meu próprio corpo.”

Na minha prática, percebo que os próprios pacientes obesos podem ser extremamente preconceituosos e rígidos consigo mesmo. Muitos têm medo de abandonar a “gordofobia” e aceitar um pouco mais seus corpos, pelo receio de que isso signifique, então, abandonar o desejo de ser magro.

Pegando emprestado o título de um famoso livro, digo a esses pacientes que a vida tem “80 tons de cinza”, isto é, a vida não se resume ao preto e branco. A dicotomia, ou seja, o pensamento “8 ou 80”, provavelmente contribuiu com seu ganho de peso e uma relação complicada com a comida. Não é porque me considero feminista, por exemplo, que não sei apreciar quando um homem abre a porta do carro pra mim ou paga um jantar. Feminismo não exclui gentileza. (Aliás, para quem quiser ler um ótimo livro sobre o feminismo moderno, indico “Como ser mulher”, da britânica Caitlin Moran; veja aqui)

Aceitação corporal não significa necessariamente amar 100% do seu corpo e se ver livre do desejo por mudanças. Significa respeitá-lo um pouco mais para que mudanças duradouras possam acontecer. Significa ter compaixão e aceitar que somos seres imperfeitos. E que tudo bem ser assim.

Você não precisa desistir do seu desejo de emagrecer se assim o desejar. Só não coloque sua vida em stand by até que isso aconteça.

Bom final de semana a todos!

Um comentário:

  1. Tão sensata, tão admirável!

    Obrigada pela belíssima reflexão.
    Somo seres em formação...
    em evolução...
    isso é perfeição!

    ResponderExcluir