quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Se sentir bem para mudar ou mudar para se sentir bem?



Essa semana atendi pela primeira vez um jovem com transtorno alimentar que, ao me contar sua história, disse que um dos fatores precipitantes para o início da doença foi o comentário de sua professora, após ele sofrer bullying dos colegas devido a seu peso: “Sabe, fulaninho, talvez você possa conversar com seus pais, tentar emagrecer um pouco, pois na verdade ninguém gosta mesmo de pessoas gordas... Vai ser pro seu bem.”

Ainda não consigo entender a lógica perversa – e extremamente arraigada em nossa sociedade – de fazer alguém se sentir mal, acreditando que isso vai então “motivá-lo” a mudar. Segundo teorias da Entrevista Motivacional, motivação vem do quanto o indivíduo percebe a mudança como importante para sua vida e do quanto ele se sente confiante em poder executá-la. Difícil imaginar que uma pessoa se sinta confiante ouvindo todos os dias a mensagem de que é inadequada... Talvez precisemos primeiro nos respeitar e nos sentir melhor sendo quem nós somos hoje, independentemente do nosso peso, para então poder mudar comportamentos. E não mudar (que para muita gente é sinônimo de “emagrecer”) para só então nos gostarmos... Esse caminho parece não fazer tanto sentido quando abraçamos a ideia de que somos dignos de respeito e acolhimento simplesmente por existirmos.

Outra coisa que me incomoda: já ouvi um colega profissional da saúde dizendo que “o problema do gordo é que ele não se enxerga. Se ele de fato soubesse o quão gordo ele é, se esforçaria mais para emagrecer”. Quer o obeso se perceba ou não como tal, emagrecer não é algo que simplesmente dependa do esforço e desejo individuais, e sim um processo complexo que envolve uma série de fatores que, em sua maioria, não podem ser controlados pelo indivíduo. Ser gordo não é uma escolha para a maioria das pessoas, embora possa ser para algumas, especialmente para aquelas que se tornam ativistas pelo respeito do indivíduo não importando seu tamanho. E na realidade, grande parte dos obesos sabe sim que está gordo, vivendo em meio à gordofobia e ao estigma da obesidade seria quase impossível não se dar conta. Alguns, de fato, podem subestimar um pouco seu tamanho corporal, o que está relacionado com aspectos de processamento neural da imagem corporal (veja aqui) e também com a dificuldade de se assumir gordo numa sociedade que despreza quem se encaixa nessa categoria. Ou seja, algumas pessoas entram em negação em relação ao seu peso porque, se de fato se assumissem/percebessem como gordas, suas vidas poderiam se tornar bem mais difíceis e hostis.

Proponho refletirmos sobre a ideia de que precisamos mudar para só então nos sentirmos bem conosco. Você merece se sentir bem hoje, pelo simples fato de ser humano e, portanto, falível. Quem sabe, então, ao se sentir mais digno e merecedor, não consegue mudar aquilo que tanto te incomoda? Como diz o ditado: somos perfeitos em nossa imperfeição.  

Um comentário:

  1. Gostei demais do texto. Ele me chamou atenção para pontos que eu nunca tinha me dado conta (mesmo tendo problemas comportamentais em relação à comida desde que me conheço por gente) e me lembrou de questões sobre as quais estou consciente e que já tentei resolver sem sucesso.
    1) "(m)otivação vem do quanto o individuo percebe a mudança como importante para sua vida E DO QUANTO ELE SE SENTE CONFIANTE EM PODER EXECUTA-LA".

    Sempre ouvi falar sobre a importância da motivação, sempre achei que estava motivada a mudar meu corpo, a relação com meu corpo e a relação com a comida. Sempre pensei nas vantagens que isso me traria e em como eu me sentiria melhor comigo mesma. Aprendi e tentei aplicar diversos exercícios – afirmações positivas, visualização... Todos sem sucesso. Não conseguia entender o por que... Como mesmo sabendo de todas as vantagens eu não conseguia andar em direção ao que eu queria? Ao ler esse texto, e particularmente esse trecho, me dei conta que nunca consegui acreditei de verdade que seria capaz. E essa é a parte mais difícil.

    2) “difícil imaginar que uma pessoa se sinta confiante ouvindo todos os dias a mensagem de que é inadequada”.
    Recebo todos os dias a mensagem de que sou inadequada, e essa mensagem vem de diversas formas, geralmente muito veladas.
    Em 100% das revistas (femininas, masculinas, de decoração) em 100% das propagandas, em todos os programas de TV, as pessoas que aparecem são magras, bem mais magras que eu.
    Elas estão lindas em seus vestidos e tailleurs, e penso "nossa, que lindo, queria um desses". Mas não posso. Nem que eu tenha todo o dinheiro do mundo. Porque ninguém faz aquele vestido ou aquele tailleur em 44 ou 46. O que acaba acontecendo então é que me visto "com o que serve" e não "com o que eu gostaria de vestir" ou "com o que tem minha cara". Meu corpo não é adequado para ser bem vestido. Eu não mereço ser bem vestida. Essa é a mensagem que recebo todos os dias. O que sobra é "ter que me virar com o que tem": coisas que muitas vezes não gosto, são mal cortadas, são fabricadas por escravos do outro lado do mundo, acabam em 2 lavagens. Eh isso o que eu mereço: o resto.
    E ai perco a vontade de me arrumar. E já que não consigo me arrumar, perco a vontade de fazer as unhas, de me maquiar, de colocar um sapato, de colocar brincos, de me pentear. (Não que eu ache que todas as mulheres se sintam bem com esses rituais, eu me sinto, eu gosto de estar com unha feita e maquiada, mas não tenho pique.)
    E mesmo quando vamos para a tal “moda plus size”, tenho a impressão de que o que é proposto é uma piada com as mulheres acima do peso. Todas as vezes que eu visitei uma loja plus size, sai com vontade de chorar: roupas que porcamente adaptadas da coleção “regular”, com estampas hediondas e cortes duvidosos.
    O texto propõe “nos gostarmos para mudar o comportamento”. Eu entendo essa abordagem e estou de acordo com ela. Mas digo que é muito muito MUITO difícil. Para mim, até hoje, foi impossível. Porque, como explicado, me sinto aquela que merece o resto.

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