domingo, 15 de junho de 2014

A ilusão do controle


Esta semana optei por transcrever um texto do psicanalista Contardo Calligaris, que fala sobre nossa preocupação com o peso e o corpo. Foi publicado em seu livro "Todos os reis estão nus" (aliás, eu recomendo!).

"Cuidado com o peso e a forma"
"Na semana passada, celebrando o Pessach ou a Páscoa, muitos jantaram ou almoçaram em família. Aposto que, em algum momento, diante da fartura e das guloseimas que estavam na mesa, a conversa tratou dos planos e dos esforços de cada um para manter a linha, emagrecer ou ganhar peso (músculos, não gordura, é claro), em suma, para conseguir dar ao corpo uma forma "satisfatória". Para essa conversa acontecer, não foi preciso que houvesse magros ou obesos à mesa. A inquietação com o peso e a forma não é efeito do estado de nosso corpo. Ela se tornou onipresente nas últimas duas ou três décadas: sua difusão coincide com o aumento dos transtornos alimentares (bulimia e anorexia), mas é, de fato, uma espécie de transtorno alimentar em si, um transtorno alimentar da conversa e do pensamento.

É citada por toda a parte (sem mais precisões) uma pesquisa segundo a qual 81% das crianças (norte-americanas) de dez anos estariam com medo de ser gordas e 50% das meninas dessa idade declarariam estar fazendo regime. Agradeceria aos leitores que me ajudassem a encontrar o texto original dessa pesquisa, que, segundo algumas fontes, seria do começo dos anos 1990. De todo modo, mesmo que a tal pesquisa seja uma lenda, sua popularidade confirma um fenômeno que verificamos todos os dias: hoje, a forma e o peso preocupam até as crianças.

Nesta altura, seriam esperadas acusações contra os nossos hábitos alimentares, contra a vida sedentária e contra os ideais impossíveis promovidos pela cultura de massa e pela indústria do regime e da forma física. Em suma, estaríamos todos pensando no peso por culpa da preguiça, do Mc Donald's, da Barbie e do GI Joe, bonecos que parecem ter sido inventados para que, desde a infância, ninguém se contente com o corpo que tem. Foi com essa expectativa que li o número de fevereiro da Counseling Today (revista da American Counseling Association), consagrado aos transtornos alimentares e à imagem do corpo. Expectativa frustrada, felizmente: num longo artigo sobre a obsessão com o peso, é entrevistada uma terapeuta, Anna Viviani, que oferece uma explicação específica para o nosso interesse pelo peso e pela forma, com ou sem transtornos alimentares propriamente ditos. Resumindo, ela entende assim: quando alguém sente que tudo na vida está fora do controle, sente também que os alimentos, o peso, o exercício são coisas que, em princípio, poderiam ser controladas.

Tanto faz, aliás, que alguém consiga seguir um regime à risca, emagrecer ou ganhar peso e fazer ginástica regularmente. O que importa é que as consultas, as propostas, as leituras e as conversas intermináveis sobre dieta e exercício têm um valor em si: elas mantêm viva a promessa de um controle - que é difícil, mas que é, em tese, possível. À diferença do que acontece, em geral, com a nossa vida amorosa e profissional, acreditamos (com certa razão) que o nosso peso e nossa forma dependem de nós. Nesse campo, podemos não fazer o necessário, mas sempre se trata de um não fazer "ainda": um dia, faremos e, quando fizermos o necessário, controlaremos o nosso peso e a nossa forma.

É tentador propor uma equação: quanto menos controle temos de nossa vida (amorosa, profissional, social e mesmo moral), mais nos preocupamos com peso e forma, que, bem ou mal, podem ser controlados. Numa direção parecida, no mesmo artigo, outra terapeuta, Erica Ritzu, resume assim a fala de um paciente com transtornos alimentares: 'se você não me escuta e não deixa nunca que a minha opinião conte, pelo menos posso escolher não comer nada'. De repente, a greve de fome dos presos políticos pode ser um modelo para entender o que acontece nos transtornos alimentares e em nossa preocupação com o peso e a forma.

Certo, na greve de fome os presos põem a vida em risco para promover uma causa (a sua própria ou outra). Mas também exercem, heroicamente, o que lhes sobra de liberdade: não são ouvidos, estão encarcerados, não podem nada, mas há algo que eles controlam: a sua própria ingestão de alimentos. É o que sugere Anna Viviani, ao interpretar nossa obsessão com regime e exercício: quem não controla nada pode, como último recurso, controlar sua alimentação, o seu peso e a sua forma.

Bom, só resta admitir que não controlamos nada, assim como os presos."

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