segunda-feira, 9 de junho de 2014

Querer emagrecer


Muitos psicanalistas afirmam que um dos mais importantes recursos terapêuticos é confiar em nosso próprio feeling, isto é, confiar na nossa impressão inicial sobre o paciente, naquilo que sentimos ou percebemos antes de pensar.* Na minha opinião, isso é especialmente importante quando lido com pacientes com transtornos alimentares ou que apresentem uma relação complicada com a comida e com o corpo, mas que se escondem por trás do famoso “quero emagrecer”.

Não há nada fundamentalmente errado em querer emagrecer, mas quando o paciente me diz que essa é a motivação que o levou a me procurar, eu sempre procuro questionar o porquê (detalhe: não importa se o paciente é magro ou gordo). Não para julgar ou decidir se a justificativa dada é válida ou não, mas sim para de fato tentar entender quais as expectativas – por vezes irreais – por trás do desejo de perder peso. Eu não costumo assumir que é “normal” estar insatisfeito com o corpo e tentar mudá-lo porque essa é a tônica dominante nos dias de hoje. Eu não acho que seja simplesmente válido emagrecer “só dois quilinhos” porque afinal “todo mundo o quer”. Já faz algum tempo que aprendi a separar o “comum” do “normal”.

Voltando à questão de seguir o feeling, acredito que isso seja um pouco complicado numa sociedade em que comportamentos e atitudes patológicos foram progressivamente “normalizados”. Um colega da área da saúde veio me perguntar outro dia se eu não achava “ok” a pessoa vomitar de vez em quando, num dia de festa, por exemplo, quando tivesse comido demais, a fim de “se sentir melhor”. Ou mesmo “usar um laxantezinho” para dar “aquela limpada”... Ou seja, como orientar pacientes se aquilo em que acreditamos está distorcido e adoentado?!

Respondendo ao questionamento feito por este colega: não, provocar o vômito e usar laxante com finalidade de compensar a ingestão alimentar não é ok, não é normal, é patológico! Inclusive, um estudo recente do International Journal of Eating Disorders (veja aqui) verificou que mulheres com o que foi chamado de “transtorno alimentar compensatório” (definido por: uso de exercício excessivo e/ou períodos de jejum para compensar a ingestão alimentar e/ou controlar o peso; ocorrendo pelo menos duas vezes por semana nos últimos três meses; e na ausência de episódios objetivos de compulsão alimentar) apresentaram maiores distúrbios de imagem corporal, presença de alimentação transtornada, ansiedade e perfeccionismo que indivíduos controles.

Como disse o personagem Carlo Antonini, do escritor Contardo Calligaris, “algumas pessoas chegam aparentando a maior serenidade, mas estão à beira de uma crise que, de alguma forma, elas pressentem: pedem uma terapia, mas o que elas de fato procuram é um lugar onde lhe seja possível atravessar a loucura com um mínimo de amparo”.

* Dois livros muito interessantes que falam sobre o relacionamento terapêutico são: “Desafios da terapia” (Irvin Yalom, Ediouro) e “A mulher de vermelho e branco” (Contardo Calligaris, Companhia das Letras).

Nenhum comentário:

Postar um comentário